O impacto da reforma tributária nas finanças municipais

Por Eduardo Araújo e Marcos Bragatto

O calendário marca cem dias desde a posse dos prefeitos brasileiros, assinalando o fim do período de transição e o início da fase de entregas concretas. Nos bastidores da gestão, o Secretário de Finanças assume um papel decisivo: não apenas garantir os recursos necessários para a execução das políticas públicas prometidas, mas preparar o município para uma reconfiguração estrutural do sistema tributário nacional. A reforma tributária em curso representa a maior transformação das finanças públicas brasileiras nas últimas décadas, com impactos particularmente significativos para os municípios capixabas. Ignorá-la ou subestimar sua dimensão é arriscar comprometer o futuro da arrecadação local.

A mudança mais visível – e potencialmente mais disruptiva – é a migração gradual da tributação na origem para o destino. Essa alteração muda o eixo da arrecadação para onde os bens e serviços são consumidos, e não mais onde são produzidos. Para o Espírito Santo, historicamente beneficiado por atividades portuárias, logísticas e industriais, essa transição sinaliza uma perda gradual de receitas. Municípios como Cariacica, Serra, Linhares e Anchieta, hoje favorecidos por estruturas produtivas robustas, deverão ver parte considerável de sua arrecadação migrar para cidades mais populosas de fora do estado, onde se concentra o consumo final dos bens. Trata-se de uma redistribuição federativa silenciosa, mas com consequências orçamentárias concretas.

Menos debatida, mas de igual relevância, é a mudança no critério de partilha do futuro Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Atualmente, o Índice de Participação dos Municípios (IPM) é fortemente influenciado pelo Valor Adicionado Fiscal (VAF), que premia os entes com maior atividade econômica. A nova lógica substituirá essa métrica por um critério predominantemente populacional, transferindo parte dos recursos para municípios com maior densidade demográfica, independentemente de sua produtividade. Para estados como o Espírito Santo, com muitos municípios de médio porte que hoje se beneficiam do VAF, a mudança pode representar uma reconfiguração profunda do mapa de distribuição de receitas.

Outro ponto de inflexão relevante é o enfraquecimento dos incentivos fiscais locais. Com a uniformização nacional das alíquotas, a guerra fiscal entre municípios perde eficácia, tornando obsoleta uma das principais estratégias de atração de investimentos adotadas nas últimas décadas. Cidades que estruturaram sua política de desenvolvimento econômico em torno de isenções e benefícios tributários precisarão redesenhar suas estratégias, priorizando fatores como infraestrutura, ambiente regulatório e qualificação da mão de obra. A dependência de incentivos se converte, nesse novo cenário, em vulnerabilidade competitiva.

Embora a reforma preveja um longo período de transição e a criação de um fundo compensatório, pairam dúvidas sobre a suficiência e efetividade desses mecanismos. Estudos do Tesouro Estadual do Espírito Santo estimam que, para manter os níveis atuais de arrecadação, os municípios precisarão impulsionar seu crescimento econômico local em taxas reais entre 2% e 3% ao ano – patamar desafiador diante da média histórica do país. Esse número não apenas dimensiona o desafio, como evidencia o imperativo de transformar a política fiscal municipal em instrumento ativo de desenvolvimento. No próximo artigo da série, exploraremos caminhos concretos para fortalecer as receitas locais, mesmo diante das limitações impostas pela nova arquitetura tributária.

O impacto da reforma tributária nas finanças municipais

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