Por Flávia Canabrava
Atualmente, a regra geral vigente para a apuração de tributos não cumulativos estabelece um cálculo unificado mensal, no qual os débitos e créditos são compensados para apurar o valor a ser recolhido ao final do período. O split payment, no entanto, altera essa dinâmica ao estabelecer a retenção do tributo no próprio ato do pagamento.
O split payment é um mecanismo introduzido pela Emenda Constitucional 132/2023, com previsão no art. 156-A, §5º, inciso II, alínea “b” da Constituição Federal. Essa nova sistemática visa aprimorar a arrecadação e o controle fiscal.
O nome “split payment” (pagamento dividido) reflete a essência do mecanismo: o valor do tributo devido é automaticamente segregado no momento do pagamento da transação comercial. Em vez de o fornecedor receber integralmente o valor da operação e, posteriormente, repassar o tributo ao Fisco no final do período de apuração, o valor devido é retido no ato da transação e encaminhado diretamente ao ente arrecadador.
Esse sistema já é adotado em alguns países, e tem como objetivo reduzir a inadimplência tributária e aumentar a eficiência na arrecadação, garantindo maior previsibilidade para os cofres públicos e minimizando riscos de sonegação.
Nesse contexto, destaca-se um estudo realizado pela Deloitte em 2017, que avaliou sua viabilidade legal e técnica, além de seus efeitos qualitativos e quantitativos.
Os estudos mostram que o split payment pode ajudar a reduzir a inadimplência fiscal. No entanto, ele também aumenta os custos operacionais para empresas e para a administração pública, o que exige uma análise cuidadosa para equilibrar arrecadação e eficiência. O estudo aponta que, se adotado de forma ampla, o sistema pode não ser a melhor solução, pois os custos podem superar os benefícios. No Brasil, porém, o modelo está sendo aplicado como regra geral, o que pode dificultar sua efetividade e gerar problemas na prática.
Dentre os países que implementaram o sistema, a Itália se destaca como um caso relevante para análise. Isso se deve ao fato de que, segundo o Reckon Report, encomendado pela Comissão Europeia para analisar e quantificar a perda de arrecadação do IVA nos Estados-Membros da União Europeia, aponta que a Itália registrou a maior defasagem na arrecadação desse imposto entre os principais Estados europeus.
O split payment (Scissione dei Pagamenti) foi introduzido na Itália em 2015 como um mecanismo voltado ao combate à evasão fiscal. Diferentemente do modelo brasileiro, o split payment italiano não foi adotado como regra geral, sendo restrito a operações específicas. Conforme estabelecido no artigo 17-ter do DPR 633/1972, sua aplicação é exclusiva para fornecedores da Administração Pública.
O regime italiano permite a compensação do crédito de IVA, mas apresenta desafios operacionais e financeiros para os fornecedores. Embora o saldo credor possa ser utilizado para abater o IVA devido em operações futuras ou até mesmo ser compensado com outros tributos, sua recuperação pode ser burocrática e demorada, impactando o fluxo de caixa das empresas.
Para mitigar esses efeitos, a Lei de Estabilidade de 2015 introduziu a possibilidade de reembolso prioritário para contribuintes que operam predominantemente sob esse regime. No entanto, empresas que prestam serviços principalmente para a Administração Pública correm o risco de acumular créditos de IVA permanentes, pois não recebem o imposto sobre suas vendas, mas continuam pagando-o em suas aquisições.
Embora a Itália tenha assumido o compromisso de eliminar gradualmente o split payment, o país solicitou ao Conselho da União Europeia a prorrogação da medida, justificando que esse mecanismo tem se mostrado uma ferramenta eficaz no combate à evasão fiscal. Atendendo ao pedido, a Comissão Europeia aprovou a extensão do mecanismo até 30 de junho de 2026.
A experiência internacional, especialmente a italiana, evidencia que esse mecanismo pode ser eficaz no combate à evasão fiscal, mas também gera impactos relevantes no fluxo de caixa dos fornecedores, que podem enfrentar dificuldades na compensação de créditos tributários. Diferentemente do Brasil, onde o modelo proposto busca ampla aplicação, na Itália o split payment é uma exceção, não a regra. Para mitigar seus efeitos, foram adotadas medidas como reembolsos prioritários. Ainda assim, persistem desafios, como o acúmulo de créditos de IVA e a morosidade nos reembolsos.
Diante desses fatores, a adoção do split payment e da possibilidade de recolhimento pelo adquirente no Brasil deve ser acompanhada de monitoramento rigoroso e ajustes conforme necessário, a fim de evitar distorções econômicas e impactos negativos sobre os contribuintes. A adequação do modelo à realidade nacional exigirá um equilíbrio entre eficiência arrecadatória e minimização dos custos operacionais, garantindo que a inovação tributária alcance seus objetivos sem comprometer a competitividade das empresas e a segurança jurídica do sistema fiscal.