Por Beatriz Olivon
A mudança na regra para compensações tributárias — créditos fiscais que as empresas têm direito de usar para abater tributos devidos — é o principal item de arrecadação da Medida Provisória (MP) alternativa ao aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), publicada na noite de quarta-feira (11).
O governo espera arrecadar R$ 10 bilhões em 2025 e mais R$ 10 bilhões em 2026 com os critérios mais rígidos, que impedirão que determinados créditos sejam reconhecidos como válidos. Segundo advogados ouvidos pelo Valor, trata-se de uma tentativa do Fisco de fechar a porta para algumas teses que ganham força em meio à corrida por créditos antes da vigência da reforma tributária do consumo.
Há expectativa de judicialização do tema; por isso, a arrecadação projetada tem grau de incerteza.
Ao todo, a MP prevê receita de R$ 10,5 bilhões em 2025 e R$ 20,87 bilhões em 2026, valores que incluem também mudanças na taxação de Juros sobre Capital Próprio (JCP), fintechs, empresas de apostas esportivas e títulos privados incentivados.
O valor de R$ 20 bilhões foi referendado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. “Para mirar o centro da meta deste ano, estamos negociando dividendos extraordinários com as estatais, o PL do óleo e estas medidas alternativas ao IOF, que devem gerar algo em torno de um pouco menos de R$ 20 bilhões”, afirmou.
Segundo Haddad, o objetivo do pacote de medidas fiscais e da mudança de alíquotas de impostos federais é reduzir o gasto tributário em cerca de 5%. “Nosso objetivo é reduzir o gasto tributário em algo próximo de 5% dos R$ 800 bilhões”, disse.
Ele acrescentou que os títulos privados incentivados isentos geram renúncia fiscal de R$ 41 bilhões e que, diante do atual patamar da Selic, o país “não está em condições de abrir mão de 100% do tributo que todo mundo paga quando compra um título do Tesouro”.
Na avaliação do ministro, a MP “não afeta em nada a vida da população brasileira, mas equilibra o pagamento de tributos das instituições financeiras, corrige uma distorção de títulos isentos que está criando problemas para a economia do país e trata da questão das bets”. Haddad também disse que o fim da isenção total dos títulos não deve ter impacto financeiro no preço deles.
O texto da MP determina que a compensação tributária não será aceita quando for apresentado Documento de Arrecadação de Receitas Federais (Darf) inexistente ou quando a empresa compensar créditos de PIS/Cofins provenientes de atividade econômica de setor diverso do seu de origem.
Com isso, as empresas terão de pagar os tributos devidos, evitando situações em que o contribuinte não tinha direito ao crédito e postergava o pagamento. O contribuinte continuará podendo contestar a negativa; para isso deverá apresentar pedido de reconsideração, que será analisado pelo Fisco.
Na exposição de motivos, o governo afirma ter identificado “volume expressivo de compensações indevidas” e, em muitos casos, fraudulentas, o que estaria “prejudicando a arrecadação e o erário público e promovendo desequilíbrios concorrenciais”.
A mudança só valerá para pedidos iniciados a partir da publicação da MP. Técnicos do governo preveem maior impacto sobre créditos presumidos de PIS/Cofins, mas o texto não faz essa distinção de forma explícita.
Para Luiz Roberto Peroba, sócio do Pinheiro Neto Advogados, as mudanças são exageradas e devem levar à judicialização. Ele afirma que a medida revela o interesse do governo em restringir creditamentos às vésperas da reforma tributária, cujo êxito depende do aproveitamento de créditos: “Todo o núcleo do funcionamento do IVA depende da devolução de receitas. Se o governo não honrar a devolução de créditos, o IVA cai por terra”.
Peroba lembra que há crédito legítimo sem Darf quando a empresa fez pagamento via compensação, obteve decisão judicial favorável e agora quer nova compensação.
O limite à compensação com créditos ligados à atividade principal barra uma tese popular: o aproveitamento de créditos de despesas com marketing, aprovado em decisão favorável do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
A compensação “não declarada”, diferente da “não homologada”, coloca o contribuinte diretamente em dívida ativa, sem possibilidade de discussão administrativa prévia, explica Adriana Stamato, do Trench Rossi Watanabe. O contribuinte poderá questionar, mas enquanto isso deverá pagar o tributo sem abatimento.
Stamato lembra que um caso legítimo de pagamento sem Darf decorre da chamada “tese do século” — a exclusão do ICMS da base de cálculo de PIS e Cofins, definida pelo STF em 2017. Empresas muitas vezes têm saldo credor por essa decisão e o usam em compensações sem Darf.
Outra hipótese que pode ser barrada, a de créditos sem relação com a atividade econômica da empresa, remonta à discussão sobre o que é insumo para fins de crédito de PIS e Cofins. Em 2018, o STJ condicionou o direito de crédito à essentialidade e pertinência do bem ou serviço em relação à atividade do contribuinte.
Segundo Alessandro Mendes Cardoso, sócio do Rolim Goulart Cardoso, a MP pode gerar disputa interpretativa sobre se o crédito decorre ou não de insumo vinculado à atividade da empresa.
Para Felipe Kneipp Salomon, do Levy & Salomão Advogados, a restrição imediata cria impacto negativo de caixa que poderá prejudicar empresas nessa situação. Ele compara a nova MP à MP 1.227/2024, que também tentou limitar compensações de PIS e Cofins e teve essa parte derrubada.
“As compensações sempre desorganizam as contas públicas. Quando há decisão judicial de grande repercussão, a tendência é que a Receita deixe de receber porque o contribuinte compensa o que o Judiciário mandou pagar”, observa Alessandra Brandão, sócia do Marcelo Tostes Advogados. Ela considera as medidas razoáveis, mas aponta que expressões vagas, como proibir créditos de atividade que não guarde “qualquer” relação, tenderão a ser questionadas no Judiciário.