A reforma tributária, aprovada em 2023 pelo Congresso Nacional e prevista para começar a ser gradualmente implementada a partir do ano que vem, já está no radar dos prefeitos de Minas Gerais. As mudanças na lógica de cobrança de impostos farão com que os municípios tenham de cumprir um complexo dever de casa para evitar perdas futuras de arrecadação. A fim de garantir os cofres cheios nos próximos anos, os chefes dos Executivos deverão tomar nota de uma equação que envolve a ampliação das receitas com o Imposto sobre Serviços (ISS) e o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). O ISS é cobrado pelas administrações municipais, enquanto o ICMS é de responsabilidade estadual. Nos termos da reforma, os dois tributos vão se fundir e dar origem ao Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). O volume de recursos a ser repassado às prefeituras, entretanto, levará em conta a arrecadação do ISS e do ICMS de 2019 a 2026.
Entre fevereiro e março deste ano, a Associação Mineira de Municípios (AMM) levou especialistas a cidades de diferentes regiões do estado com o objetivo de fornecer orientações aos prefeitos recém-eleitos sobre diversos aspectos da máquina pública. A reforma tributária compôs a lista de temas abordados. O Fator acompanhou os encontros promovidos pela AMM nas cidades de Montes Claros (Norte), Andradas (Sul) e Formiga (Oeste).
Em Montes Claros, Alex Carneiro, gerente de Tributação e Finanças da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), enumerou uma série de medidas que os prefeitos deverão implementar para aumentar a arrecadação de ISS e ICMS nos municípios.
Para o ICMS, Carneiro recomenda medidas como: exigir do estado o acompanhamento de análise das declarações das empresas para formação do Valor Adicionado Fiscal (VAF); monitoramento das saídas de transporte com origem no município; avaliação das chamadas guias mensais; combate à omissão de entrega por parte do contribuinte ao estado; análise de declarações com valor adicionado negativo.
Para o ISS, o especialista recomenda: expansão da base de contribuintes do ISS; monitoramento de serviços prestados e revisão de alíquotas; fiscalização e atualização de cadastros de prestadores de serviços; inteligência e malha fina; fortalecimento de iniciativas no acompanhamento de setores estratégicos.
Entre todas as medidas listadas, uma tem caráter de urgência e pode gerar o bloqueio da transferência de recursos federais caso não seja implementada. Trata-se da implantação, até 31 de dezembro deste ano, do modelo nacional da nota fiscal eletrônica de serviços. Alex Carneiro também recomenda avaliar a necessidade de atualização da base de cálculo do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), a capacitação das equipes que cuidam da arrecadação e o investimento em tecnologia.
A economista Angélica Ferreti, da AMM, lembra que o IBS será calculado com base na receita de ICMS dos municípios. Portanto, o dever de casa passa por fazer um pente-fino nas possibilidades propiciadas pela Lei Robin Hood, que prevê a redistribuição de verbas do imposto estadual entre os municípios. Há, ainda, a possibilidade de receber fatias do ICMS por meio do incentivo a práticas setorizadas, como a proteção ao meio ambiente e o incentivo ao esporte.
Um estudo feito pela AMM aponta que 155 municípios não estão habilitados no ICMS Ecológico, enquanto 272 não estão aptos ao ICMS Turismo. No ICMS Esporte, 288 municípios estão fora do rateio. No mais abrangente dos quesitos, o do Patrimônio Cultural, apenas 13 municípios não estão habilitados. Como se trata de um recurso que está disponível, Angélica Ferreti diz que as prefeituras precisam fazer estudos da realidade dos municípios nestas áreas para descobrir se é possível atender a algum dos quesitos fixados pela Lei Robin Hood.
Em Montes Claros, prefeitos se debruçaram sobre impactos da reforma tributária.
Prefeitos navegam entre pontos de interrogação
A reforma tributária é uma incógnita para o presidente da Associação dos Municípios da Área Mineira da Sudene (Amams), Ronaldo Dias (PL). Prefeito da cidade de São João da Lagoa, ele considera as mudanças na lógica de impostos muito complexas e ainda distantes da realidade dos prefeitos do Norte de Minas. De acordo com Dias, a maioria dos gestores municipais não sabe se as alterações serão benéficas ou prejudiciais às prefeituras. “A gente tem que estudar mais para ter uma dimensão mais precisa do que vai ser”, diz.
Embora seja um prefeito em sexto mandato, Hely Andrade Alves (MDB), de Carrancas (Sul), também tem incertezas quanto à reforma tributária. Para evitar surpresas, pretende se informar e participar de todas as movimentações que envolvam o impacto das mudanças nas cidades. “Vamos ver no que vai dar”, projeta.
Margot Pioli (Cidadania), prefeita reeleita de Andradas, município de 40,5 mil habitantes localizado no Sul de Minas, também vê a reforma tributária como um assunto muito complexo para as prefeituras. De acordo com ela, não é possível saber, por ora, o impacto das mudanças sobre as finanças municipais. A prefeita seguiu o conselho de Alex Carneiro, da CNM, e contratou uma consultoria a fim de sanar dúvidas quanto à nova sistemática tributária nacional.
Tatiana Cobra (União Brasil), prefeita de Borda da Mata, também deixa a preocupação estampada na fala. Ela conta que antes mesmo de tomar posse entrou em contato com um escritório especializado do vizinho município de Extrema em busca de orientação sobre como proceder em relação às medidas previstas na reforma. Seu objetivo é, além de evitar perdas, conseguir aumentar a arrecadação local para que o município possa depender cada vez menos dos recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), controlado pela União.
Pontos positivos
Em que pese as dúvidas dos prefeitos, há ondas positivas no mar de incertezas provocado pela reforma tributária. A junção de ICMS e ISS fará com que bens sejam tributados onde as mercadorias são adquiridas, enquanto o imposto sobre serviços incidirá na localidade em que a atividade é prestada. Isso abre caminho, por exemplo, para que impostos sobre serviços de streaming e de cartão de crédito, hoje cobrados nas cidades que sediam as empresas, geralmente instaladas em grandes centros, passem a gerar receitas para pequenos municípios onde os serviços são executados.
Outro ponto positivo está nas mudanças previstas para o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). Da receita do total do IPVA, 40% vai para os municípios. A reforma tributária fará com que o tributo veicular passe a incidir sobre aeronaves e lanchas, o que amplia o potencial de ganhos públicos. A nova versão do IPVA terá ainda alíquotas mais altas para automóveis de luxo e para veículos que geram impactos negativos ao meio ambiente.
Prefeitos estão interessados, também, na possibilidade de utilizarem a contribuição sobre iluminação pública não apenas para custear este serviço, mas também para ajudar na compra de equipamentos como câmeras de monitoramento. A previsão está expressa no texto da reforma.
Ainda conforme o documento, os prefeitos não dependerão mais das Câmaras Municipais para fazer a atualização da planta de valores que serve de base para o cálculo do IPTU, que continuará sendo cobrado normalmente pelos municípios. Após a vigência da reforma, a atualização poderá ser feita por meio de decreto, pondo fim ao receio que muitos vereadores têm de aprovar aumentos no IPTU.
Durante os encontros realizados em Montes Claros, Andradas e Formiga, os técnicos da AMM recomendaram que medidas impopulares, como o aumento de IPTU, fossem implementadas o quanto antes, no início das novas gestões, para que gerassem recursos que pudessem ser empregados durante todo o mandato. Medidas impopulares no final de mandato, nem pensar, pois geram uma impopularidade que pode ser danosa para prefeitos que pretendem disputar a reeleição e impedem que os novos recursos contribuam para tornar a gestão mais eficiente ao longo dos quatro anos de gestão.
Além da criação do IBS, a reforma tributária dará origem a um outro imposto fruto de fusões entre taxas já existentes: é a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que está sob o guarda-chuva da União. A CBS será formada por Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Cofins e PIS, que serão extintos.
Fonte: ofator.com.br