Reforma tributária e o setor elétrico

Por Rafael Santos

reforma tributária sobre o consumo tem objetivos claros: simplificar o sistema atual, reduzir a cumulatividade e uniformizar as regras de incidência. Muito em breve, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência estadual e municipal substituirão PIS, Cofins, ICMS, ISS e IPI.

setor elétrico — estratégico, regulado e transversal a toda a economia — é também um dos mais abrangentes e complexos. Composto por diferentes agentes (geradores, transmissores, distribuidores e comercializadores), o setor exige atenção especial em processos legislativos que impliquem reestruturação normativa de grande alcance.

Momento de incidência

Ao menos em tese, por serem tributos não cumulativos, o ônus final do IBS e da CBS deve recair sobre o consumidor final da cadeia de determinado produto ou serviço.

No caso das operações com energia, o recolhimento do IBS e da CBS na cadeia ocorrerá somente nas operações envolvendo aquisições por consumidor final. A distribuidora, portanto, permanece com a responsabilidade pelo recolhimento dos tributos nas vendas para consumidores do mercado cativo.

No ambiente de contratação livre, a obrigação caberá à comercializadora ou à geradora, a depender do caso. Nas liquidações no mercado de curto prazo da CCEE, a responsabilidade será do próprio adquirente que apurar balanço energético negativo no período.

Considerando que a legislação não estabeleceu nenhuma alíquota diferenciada por tipo de matriz energética, uma primeira análise poderia levar a conclusão de que a implementação da reforma tributária seria potencialmente neutra entre os diversos tipos de geradores. Porém, é possível que a introdução do IBS e da CBS possa impactar diferentemente na formação do preço da energia afetando a rentabilidade especialmente dos projetos de geração renovável.

Impacto nos projetos de geração

Hoje, a estrutura tributária dos projetos de geração pode ser dividida em três categorias: (i) projetos de maior potência instalada, sujeitos ao lucro real, com PIS e Cofins não cumulativos (alíquota combinada de 9,25%); (ii) projetos enquadrados no lucro presumido, comum em geração renovável (como PCHs, solar e eólica); e (iii) projetos de micro e minigeração distribuída, onde não há venda formal de energia devido ao modelo regulatório.

Empresas com receita bruta anual de até R$ 78 milhões podem optar pelo lucro presumido. Nesse regime, o PIS e a Cofins são calculados de forma cumulativa, com alíquota menor (3,65%), sem direito a créditos, diferentemente do regime não cumulativo (9,25%).

Atualmente, o crédito de PIS/Cofins não está vinculado ao tributo pago pelo fornecedor. Ou seja, o comprador pode deduzir créditos calculados a 9,25%, mesmo que o fornecedor tenha recolhido apenas 3,65%. Isso cria um benefício indireto para projetos no lucro presumido, já que a diferença entre as alíquotas (3,65% repassado no preço versus 9,25% creditado) resulta em um ganho para comercializadoras ou consumidores finais.

Com a introdução do IBS e da CBS, esse benefício desaparecerá. Geradores que venderem energia diretamente a consumidores finais no mercado livre deverão destacar o IBS e a CBS pela alíquota integral, eliminando a vantagem indireta do lucro presumido.

Se a venda for para uma comercializadora, a operação não estará sujeita ao IBS e CBS (pois comercializadoras não são consumidoras finais). No entanto, o mesmo efeito ocorrerá, pois as comercializadoras recolherão posteriormente os tributos nas vendas finais, sem aproveitar a diferença de alíquotas anterior.

Diante dessas mudanças, incluindo outras medidas tributárias (como o Pilar 2 e a tributação de dividendos), muitos contribuintes questionam se o lucro presumido ainda é vantajoso. A resposta não é única, mas um aspecto relevante deve ser considerado: despesas financeiras com financiamento dos projetos gerarão créditos de IBS e CBS, o que deve ser incluído na modelagem financeira e na análise dos impactos no imposto sobre a renda.

Projetos de micro e minigeração distribuída

Os efeitos da introdução do IBS e da CBS não se restringem aos projetos no lucro presumido.

geração distribuída, regulada pela Lei 14.300/2022 e pela Resolução Normativa Aneel 1.059/2023, consiste na produção de energia por meio de fontes renováveis pelo próprio consumidor, utilizando sistemas instalados próximos ou na própria unidade consumidora. Atualmente, a geração distribuída é permitida em empreendimentos com potência de até 5 MW.

Os consumidores podem participar por meio de consórcios ou associações com outorga para geração compartilhada ou obter autorização para projetos próprios (autoprodução). Nesses casos, não há venda de energia, pois o consumidor é também o gerador. Por isso, os contratos geralmente envolvem (a) arrendamento da usina e (b) operação e manutenção.

A Lei Complementar 214 reduziu em 70% as alíquotas do IBS e da CBS sobre receitas de locação, cessão onerosa e arrendamento de bens imóveis. Assim, para desenvolvedores com receita de arrendamento de usinas, é possível enquadrar essas receitas no regime diferenciado do setor imobiliário, mesmo vinculadas a projetos de geração de energia.

No entanto, a nova legislação não resolve outra questão tributária controversa na geração distribuída. Para viabilizar projetos em que os sistemas geradores não estão no mesmo local do consumo, foi criado o Sistema de Compensação de Energia Elétrica. Esse sistema permite que a energia gerada pelo consumidor seja injetada na rede de distribuição como empréstimo gratuito e posteriormente compensada com o consumo próprio.

Essa sistemática existe porque a energia não pode ser estocada. O produtor injeta a energia na rede e, ao consumi-la posteriormente, recebe de volta a mesma quantidade, sem que haja compra e venda. Por isso, a energia fornecida pelo distribuidor na proporção da energia injetada está isenta de ICMS, conforme o Convênio ICMS 16/2015.

Porém, esse tema gera divergências. Quando o Convênio foi criado, a geração distribuída era limitada a 1 MW. Posteriormente, a Aneel ampliou o limite para 5 MW e incluiu a geração compartilhada (consórcios ou cooperativas). No entanto, a legislação fiscal não foi atualizada para refletir essas mudanças, mantendo o limite de 1 MW e sem previsão expressa para geração compartilhada.

Minas Gerais foi o primeiro estado a conceder incentivos fiscais de ICMS para geração distribuída nos novos parâmetros, seguido por outros estados do Sudeste. A maioria dos estados, porém, ainda não adotou regras semelhantes. Diante da interpretação restritiva dos fiscos estaduais, muitos contribuintes têm judicializado o tema para garantir a isenção de ICMS em projetos de até 5 MW na modalidade compartilhada.

Tecnicamente, não há operação de compra e venda que justifique a tributação, apenas um empréstimo de energia devido à sua não estocabilidade. Portanto, a própria existência de uma isenção não seria essencial, já que não há fato gerador de tributos.

Esperava-se que a Lei Complementar 214, ao regulamentar o IBS e a CBS, incorporasse os novos parâmetros da Aneel para geração distribuída. No entanto, a lei manteve a isenção apenas para projetos de até 1 MW, divergindo das resoluções regulatórias.

Dessa forma, a Lei Complementar poderá impactar financeiramente o resultado dos projetos de geração acima de 1 MW, os quais, ao menos em tese, estariam sujeitos a incidência regular do IBS e da CBS.

É esperado que, assim que haja a entrada em vigor dos novos tributos, uma nova onda de judicialização sobre o tema ocorra, fato que poderia ter sido evitado caso fossem observadas pela Lei Complementar 214 os parâmetros regulatórios para definição dos projetos de geração distribuída.

Conclusão

Embora muito bem-vinda, ainda não se sabe todas as implicações práticas da adoção do novo modelo de tributação sobre o consumo. No caso do setor elétrico, nos parece que atenção redobrada deve ser dada aos projetos de geração eólica e solar.

https://www.jota.info/artigos/reforma-tributaria-e-o-setor-eletrico-2

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