Reforma tributária e o futuro do pequeno produtor rural

Por Arthur Pires Mendonça 

Diante da instituição do IBS e da CBS pela reforma tributária, inaugurada pela Emenda Constitucional 132/2023, fez-se necessária a implementação de regimes diferenciados para determinados contribuintes. Dentre esses regimes, destaca‑se o tratamento diferenciado dos pequenos produtores rurais que auferem renda anual de até R$ 3,6 milhões[1], os quais não serão considerados contribuintes do IBS e da CBS, em atenção ao art. 9º, §4º da EC 132/23.

A Lei Complementar 214/2025[2], por sua vez, reforçou essa regra no art. 164, o qual estabelece que “o produtor rural pessoa física ou jurídica que auferir receita inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais) no ano-calendário e o produtor rural integrado não serão considerados contribuintes do IBS e da CBS”.

Nesse sentido, caso o produtor se mantenha inerte e escolha por não contribuir com o IVA Dual, não repassará seus produtos com o crédito do regime não-cumulativo. Por outro lado, aqueles que pagarem o IVA Dual terão direito ao repasse do crédito, podendo ganhar uma competitividade no mercado.

Acontece que o suposto ganho de competitividade não é garantido. Isso porque será concedido crédito presumido ao adquirente de bens e serviços do produtor rural que não pague o IVA Dual, os quais serão definidos e divulgados anualmente até o mês de setembro, por ato conjunto do ministro da Fazenda e do Comitê Gestor do IBS, e entrarão em vigor a partir de primeiro de janeiro do ano subsequente.

Nesse sentido, vale destacar a sistemática de diferimento instituída pelo art. 138 da LC 214/2025, o qual reduziu em 60% as alíquotas do IBS e da CBS incidentes sobre o fornecimento dos insumos agropecuários e aquícolas listados no Anexo IX da referida Lei Complementar[3], aplicando-se inclusive ao produtor rural não contribuinte.

Nessas hipóteses, o dispositivo estabelece que o recolhimento do IBS e da CBS será diferido quando o produtor adquirir, no mercado interno ou por importação, insumos do referido Anexo IX, desde que tais insumos sejam empregados na produção de bens que serão vendidos a adquirentes com direito ao crédito presumido previsto no art. 168 da lei. O diferimento evita a incidência imediata do tributo na etapa de aquisição dos insumos, simplificando o fluxo de caixa do pequeno produtor e reduzindo o custo de produção.

Para o produtor rural não contribuinte, o diferimento opera de forma indireta: ao adquirir os insumos, o fornecedor emite o documento fiscal com destaque do regime diferido, dispensando o recolhimento do IBS e da CBS naquele momento. A “quitação” do tributo ocorrerá no elo seguinte da cadeia, quando o bem final for vendido a um contribuinte do regime regular com direito ao crédito presumido, pois este último reduzirá o valor do crédito a que faria jus, neutralizando o efeito do diferimento.

Caso parte da produção seja destinada a adquirentes sem direito ao crédito presumido, o benefício se aplica proporcionalmente, exigindo a segregação dos insumos utilizados para cada destino, nos termos do §3º do art. 138.

Esse mecanismo promove importante desoneração da atividade rural de menor porte, garantindo competitividade ao pequeno produtor, sem comprometer a arrecadação futura. Ao mesmo tempo, preserva-se a neutralidade tributária entre diferentes elos da cadeia, uma vez que o encerramento do diferimento ocorre pelo ajuste do crédito presumido do adquirente, e não por recolhimento direto do produtor não contribuinte. Com isso, o regime especial harmoniza a simplificação para o pequeno produtor com a manutenção do controle fiscal, permitindo que ele se beneficie de menor custo operacional sem perder a rastreabilidade da operação.

Ainda, foi incluído o §5º no art. 164 da LC 214/2025 para inserir as cooperativas e associações de produtores rurais no regime diferenciado (i) cuja receita seja inferior a R$ 3,6 milhões, ou (ii) seja integrada exclusivamente por produtores rurais pessoas físicais cuja receita seja inferior a 3,6 milhões. Tal medida é de extrema relevância para ampliar a competitividade dessas organizações no mercado.

A ideia do regime diferenciado foi amplamente apoiada em audiências públicas, especialmente pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)[4]. Nas oportunidades, a CNA destacou que o crédito presumido concedido aos compradores de insumos do produtor não-contribuinte deve ser tão competitivo quanto ao crédito repassado pelo produtor contribuinte, “sob pena de perda de competitividade e falências dos pequenos produtores”.

Esses alertas técnicos do setor rural reforçam que a simples previsão constitucional e legal do regime não basta, de modo que é preciso um arcabouço regulatório que efetivamente resguarde os direitos concedidos aos pequenos produtores.

Ademais, deve-se destacar que a criação do regime diferenciado para o pequeno produtor rural atende a várias necessidades socioeconômicas. Isso porque, atualmente, esses produtores enfrentam custos operacionais e burocráticos proporcionalmente maiores aos custos de grandes agroindústrias, visto que a inscrição em regimes complexos de tributos, entrega de obrigações acessórias ou pagamento de alíquotas cheias impactam significativamente em seu negócio, o que pode até impossibilitá-lo.

Justamente por essa razão, o MDA afirma que facilitar a tributação simplifica a gestão financeira do pequeno produtor rural[5], e proporciona maior viabilidade econômica.

Nesse sentido, ao serem considerados não‑contribuintes, os pequenos produtores rurais ganham considerável simplicidade administrativa, análoga ao Simples Nacional. Inclusive, representantes do setor avaliam essa medida como uma espécie de Super Simples Rural[6].

Além disso, vale ressaltar o alcance desse regime especial, tendo em vista que a agricultura familiar impactada pela alteração legislativa representa parcela significativa da produção de alimentos do país. De acordo com dados do Anuário Estatístico da Agricultura Familiar de 2024, produzido pela Contag, existem quase 4 milhões de estabelecimentos de agricultura familiar no Brasil[7], o que representa aproximadamente 77% dos estabelecimentos agrícolas nacionais[8].

Portanto, em síntese, o regime diferenciado para o pequeno produtor rural é essencial para que a nova carga tributária sobre o consumo não prejudique a oferta de alimentos e a operação do pequeno agricultor. Espera-se, de modo geral, que o incentivo seja positivo, porém é preciso garantir que a regulamentação aplicada (prazos, créditos presumidos, fiscalização etc.) esteja em harmonia com a disposição do legislador constituinte, exarada pela EC 132/23, a fim de que as previsões constitucionais de suporte ao agricultor familiar efetivamente se traduzam em benefícios reais no campo, viabilizando o fortalecimento desse setor.


[1] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc132.htm

[2] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp214.htm

[3] Como Biofertilizantes, Fertilizantes, Corretivos de solo, Inoculantes, Bioestimulantes e Bioinsumos, Inseticidas, Fungicidas, Formicidas, dentre diversos outros.

[4] https://cnabrasil.org.br/noticias/cna-defende-regime-diferenciado-para-o-pequeno-produtor-e-aliquota-reduzida-para-o-agro#:~:text=No%20debate%2C%20realizado%20na%20C%C3%A2mara,CBS

[5] https://www.gov.br/mda/pt-br/noticias/2024/09/mda-propoe-melhorias-ao-projeto-da-reforma-tributaria-para-fortalecer-a-agricultura-familiar-e-alimentos-saudaveis#:~:text=Um%20dos%20pontos%20centrais%20da,promova%20justi%C3%A7a%20tribut%C3%A1ria%20e%20inclus%C3%A3o

[6] https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/09/24/setores-da-economia-pedem-tratamento-diferenciado-na-reforma-tributaria#:~:text=%E2%80%94%20A%20legisla%C3%A7%C3%A3o%20fala%20que,pequenos%20neg%C3%B3cios%20rurais%20%E2%80%94%20disse

[7] https://www.fetaesc.com.br/sistema/sys/componente_comum/tinymce/plugins/filemanager/source/ANU%C3%81RIO%20AGRICULTURA%20FAMILIAR%202024.pdf

[8] https://www.gov.br/mda/pt-br/noticias/2024/10/o-brasil-que-alimenta-uma-celebracao-a-agricultura-familiar

https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/direito-em-campo/reforma-tributaria-e-o-futuro-do-pequeno-produtor-rural

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