Por Ana Chagas
Nos anos de 2024 e 2025, o Brasil não apenas virou uma página em sua complexa história tributária, mas começou a escrever um capítulo inteiramente novo com a promulgação do texto da reforma tributária e da Lei Complementar nº 214/2025. Em meio às discussões sobre simplificação, um elemento de profunda transformação remodela a relação entre o fisco e o meio ambiente: a nova legislação tributária inseriu de forma definitiva a variável ambiental no DNA da nossa economia. A pergunta que paira sobre o setor produtivo não é mais se a sustentabilidade tem um valor, mas como ele será mensurado e tributado.
O protagonista mais visível dessa mudança é o IS (Imposto Seletivo). Desenhado para incidir sobre “bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente”, sua função é majorar o custo de produtos que geram impactos negativos. A lógica por trás dessa medida repousa no conceito econômico de “externalidades negativas” —os custos que uma atividade impõe à sociedade, mas que até então não constavam na sua estrutura de preço.
O custo do tratamento de doenças respiratórias agravadas pela poluição industrial, o custo da despoluição de um rio ou mesmo o custo logístico de lidar com embalagens não recicláveis são exemplos clássicos. Até agora, essa era uma conta socializada. Eram, essencialmente, o custo social da produção, um valor que nunca entrava na planilha de custos do produto. Com o IS, busca-se internalizar esse valor, fazendo com que o preço final reflita de forma mais fiel o seu real impacto.
Ao forçar o poluidor a “internalizar” esse custo, a reforma finalmente tira o princípio do “poluidor-pagador” do plano meramente teórico do direito ambiental e o transforma em um fato contábil, uma linha concreta no balanço das empresas. Essa é a mudança mais sísmica de todas: a degradação ambiental passa a ter um preço direto, influenciando a competitividade e a viabilidade de um produto.
Para as empresas, este é um divisor de águas. Aquelas que ignorarem o novo cenário e mantiverem processos produtivos e portfólios de produtos de alto impacto ambiental enfrentarão uma inevitável perda de margem e de mercado. O risco é real e imediato. Contudo, para as mais perspicazes, surge uma oportunidade de ouro.
Se de um lado da balança pesa o IS, do outro lado reluzem as alíquotas favorecidas de IBS e CBS. A legislação premia, com reduções que podem chegar a 60% ou até a isenção total, uma vasta gama de produtos e serviços considerados estratégicos para a transição verde. Falamos de biocombustíveis, hidrogênio de baixo carbono, produtos da sociobiodiversidade, biogás, além de serviços de saneamento e de gestão de resíduos e reciclagem.
Essa dualidade transforma radicalmente o planejamento empresarial. A questão para o gestor moderno passa a ser dupla: “Como posso mitigar o ônus do Imposto Seletivo em minha operação?” e, tão importante quanto, “Como posso reestruturar minha cadeia de valor para acessar o bônus das alíquotas favorecidas?”
A resposta para ambas as perguntas reside na inovação. A ameaça do IS sobre um produto poluente pode ser o catalisador para o desenvolvimento de uma alternativa mais limpa e eficiente. A busca pelas alíquotas reduzidas pode estimular a substituição de insumos convencionais por matérias-primas recicladas ou oriundas de comunidades que preservam a floresta. O que antes era visto como custo ou ação de marketing, hoje se converte em vantagem competitiva direta.
Neste cenário, a assessoria jurídica-ambiental transcende a tradicional gestão de risco ou a atuação em contenciosos e se torna uma parceira estratégica na busca por eficiência tributária e inovação, ajudando a mapear não apenas os passivos mas, sobretudo, os potenciais ativos tributários-ambientais dentro de uma organização.
A reforma tributária, portanto, não se resume a um ajuste de contas com o passado. Ela é um sofisticado instrumento de política industrial verde, que utiliza a força da tributação para induzir comportamentos e premiar a sustentabilidade. As empresas que compreenderem e dominarem essa balança de ônus e bônus não estarão apenas em conformidade com a lei, mas liderarão a vanguarda de uma nova economia, mais limpa, resiliente e, em última análise, mais lucrativa.
https://www1.folha.uol.com.br/blogs/que-imposto-e-esse/2025/09/reforma-tributaria-e-o-fim-do-custo-invisivel-como-a-sustentabilidade-se-tornou-a-decisao-mais-estrategica-e-financeira-do-ano.shtml