PLP 108/2024 – A desarmonia do sistema punitivo na reforma tributária

Por Bruno Toledo Checchia, Victória Cosme Corrêa

A aprovação da reforma tributária legitimou-se pela promessa de institucionalização de um sistema tributário mais simples, eficiente e equilibrado, o que tem sido um desafio contínuo para o Poder Legislativo, nos trâmites de sua regulamentação. Apesar da aprovação e publicação da Lei Complementar 214/2025 e dos avanços do PLP 108/24, parece que as discussões tributárias que assolam o sistema brasileiro ainda estão distantes de seu fim.

Um exemplo de um potencial – e desnecessário – tema a ser objeto de litígio futuro diz respeito às previsões das sanções pelo descumprimento de obrigações acessórias relacionadas ao IBS e CBS. Isso, porque as regras que estabelecem essas penalidades, as quais já foram aprovadas na Câmara dos Deputados e mantidas no texto aprovado pela CCJ do Senado para o PLP 108/24, podem acabar perpetuando a insegurança jurídica atual que, em tese, deveria ser minada, ou ao menos, reduzida pela reforma tributária.

As multas por descumprimento das obrigações acessórias, inicialmente aprovadas pela Câmara dos Deputados, foram estabelecidas em montantes variados, que podem corresponder a valores fixos, percentuais de até 50% do tributo ou, pior, percentuais de até 30% do valor da própria operação. Nota-se, no entanto, que fora previsto um teto para tais multas, limitadas a 100% do tributo.

No relatório do PLP 108/24, apresentado pelo relator, senador Eduardo Braga (MDB-AM), e aprovado pelo Senado, algumas das hipóteses de descumprimento passaram a ter sanções de 100% do valor do tributo – como as previstas no art. 341-G, XI e XVI, que decorrem da ausência de emissão de documento fiscal, ou a emissão em desconformidade.

Mais do que isso, as penalidades passaram ser majoradas em 50% no caso de reincidência, hipótese em que em alguns casos podem alcançar o patamar de 150% do tributo de referência (IBS ou CBS), tendo sido excluída a regra que limitava o valor dessas multas.

Ocorre que o modelo punitivo do projeto, em sua redação aprovada pelo Senado, está na contramão de precedentes do Supremo Tribunal Federal, que, historicamente, vem sendo evocado para avaliar a constitucionalidade de multas tributárias desproporcionais e com caráter confiscatório.

O STF tem firmado entendimento, por meio da sistemática da repercussão geral e com fundamento no princípio da proporcionalidade, no sentido de afastar a aplicação de multas tributárias consideradas excessivas e lesivas ao contribuinte.

Como exemplo, pode-se citar o Tema 214 (RE 882.461/MG), em que o STF entendeu ser desproporcional multa moratória de 40%, reduzindo-a para 20%. Já no RE 754.554/GO, o tribunal considerou confiscatória a multa de 25% sobre o valor da operação em razão da não emissão, ou emissão com valor incorreto, de documento fiscal.

Já na ADI 551/RJ, o STF declarou inconstitucional a previsão da Constituição Estadual do Rio de Janeiro que previa multa mínima de 200% do valor do tributo pelo não recolhimento de tributos, também por configurar efeito confiscatório.

Até mesmo no caso de multas qualificadas, aplicadas em hipóteses de sonegação, fraude ou conluio, o STF já se manifestou no Tema 863 da repercussão geral, entendendo como irrazoável a multa de 150%, por violação à vedação constitucional ao confisco.

Nessa mesma linha, aguarda-se o julgamento o Tema 487, cujo leading case (RE 640.452/RO) discute a constitucionalidade de multa isolada de 40% sobre o valor de operação imposta em razão do descumprimento de obrigação acessória, ainda que inexistente crédito tributário constituído.

O processo, sob a relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, que já teve seu julgamento iniciado em plenário físico, conta com votos contrários à penalidade desproporcional, propondo, ainda, tese restritiva à aplicação das multas isoladas. Sob a análise do relator – acompanhado pelo ministro Edson Fachin – propõe-se a fixação da tese de que tais multas não podem exceder 20% do valor do tributo devido, quando houver obrigação principal vinculada.

Mesmo nos votos divergentes dos ministros Dias Toffoli e Cristiano Zanin, propõe-se um teto de 60% do valor do tributo ou do crédito vinculado, podendo chegar a, no máximo, 100% no caso de existência de circunstâncias agravantes.

Ou seja, caso se confirme a fixação de um teto constitucional para as multas isoladas tributárias – seja ele de 20% ou 60%, o segundo projeto de lei de regulamentação da reforma tributária, mesmo após diversas emendas apresentadas pelos senadores, corre o risco de já nascer inconstitucional.

A manutenção da atual redação – que ainda deve passar por revisão da Câmara – certamente levará a novas discussões sobre a desproporcionalidade das sanções aplicáveis aos contribuintes do IBS e CBS.

No momento, resta-nos aguardar o posicionamento do STF, que estabelecerá o limite constitucional das multas isoladas por descumprimento de obrigações acessórias, e confiar na incorporação do entendimento pelo legislativo, que caso contrário, se abrirá caminho para mais uma rodada de litígios tributários sobre um sistema que ainda nem deu seus primeiros passos.

https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-desarmonia-do-sistema-punitivo-na-reforma-tributaria

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *