O Comitê de Gestão de Harmonização na reforma tributária

Por Alessandra Gomensoro, João Colussi

reforma tributária, consolidada pela Emenda Constitucional 132/2023 e atualmente em fase de regulamentação pelo PLP 108/2024, marca o início de uma nova era para o sistema tributário brasileiro.

Entre as inovações mais significativas está a criação do Comitê de Gestão de Harmonização (CGH), um órgão colegiado que nasce com a missão de uniformizar a interpretação e a aplicação da legislação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) em todo o território nacional.

O CGH será composto de forma paritária entre União, estados, Distrito Federal e municípios, mas, conforme previsto no PLP 108, todos os seus membros serão representantes fazendários, ou seja, vinculados às administrações tributárias dos entes federativos, sem a participação de representantes dos contribuintes ou da sociedade civil.

Além disso, o PLP 108 determina que, antes de proferir suas decisões, o CGH deverá ouvir o Fórum de Procuradores Fazendários, reforçando ainda mais o caráter fazendário e institucional do órgão. Essa configuração institucional, ao excluir a participação direta dos contribuintes, tende a acentuar o viés fiscalista das decisões do comitê, uma vez que todos os debates e deliberações ocorrerão sob a ótica dos interesses arrecadatórios dos entes federativos.

A ausência de pluralidade de perspectivas pode resultar em enunciados vinculantes menos equilibrados, com menor sensibilidade às demandas e realidades do setor produtivo e dos cidadãos.

A centralização da interpretação normativa no CGH representa uma tentativa de superar a histórica fragmentação do sistema tributário brasileiro, marcada por divergências interpretativas entre os diversos entes federativos e órgãos julgadores.

Ao conferir caráter obrigatório às decisões do CGH para todos os entes e órgãos administrativos de julgamento, como o Carf, os Tribunais Administrativos Estaduais e Municipais e os Conselhos de Contribuintes, a reforma busca garantir maior segurança jurídica e previsibilidade tanto para os contribuintes quanto para a administração pública. Essa uniformização, em tese, pode contribuir para a redução de litígios e para a construção de um ambiente mais estável e transparente para as relações tributárias.

Entretanto, essa uniformização traz consigo um risco relevante: o de transformar órgãos tradicionais de julgamento, como o Carf, em meros “tribunais de passagem”. O papel decisório desses órgãos, historicamente marcado pela análise de casos concretos e pela construção de uma jurisprudência administrativa própria, pode ser significativamente esvaziado diante da obrigatoriedade de observância dos enunciados do CGH.

A autonomia decisória dos julgadores administrativos tende a ser reduzida, limitando-se à aplicação dos entendimentos previamente definidos pelo comitê, o que pode restringir o espaço para debates jurídicos inovadores e para a evolução do direito tributário no âmbito administrativo.

Esse novo desenho institucional exige atenção redobrada para que o objetivo de uniformização não resulte em engessamento do sistema. É fundamental que se preserve, dentro do possível, a capacidade crítica e construtiva dos tribunais administrativos, permitindo que continuem a contribuir para o aprimoramento do direito tributário, mesmo diante da existência de enunciados vinculantes.

A discussão sobre o CGH, portanto, não se limita à sua função técnica de uniformização, mas envolve questões mais amplas de legitimidade democrática, representatividade e equilíbrio entre os interesses do Estado e da sociedade. A centralização das decisões pode trazer benefícios em termos de previsibilidade e segurança, mas não pode ignorar a necessidade de pluralidade e de abertura ao diálogo com os diversos setores impactados pela tributação.

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