Justiça paulista permite venda imediata de saldo credor

Por Marcela Villar

A Justiça de São Paulo tem sido favorável à venda imediata de créditos de ICMS a terceiros, principalmente por exportadoras. As empresas travam uma corrida contra o tempo para reduzir o estoque do tributo antes do início da transição da reforma tributária – quando o ICMS for extinto, a devolução desses valores ocorrerá em 20 anos, com correção pelo IPCA.

Três sentenças recentes e duas decisões do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) autorizaram a transferência de R$ 63,4 milhões de créditos de ICMS a outras companhias, para elas usarem o valor como moeda de pagamento do imposto. Nas decisões, o Judiciário reconhece a demora e limitações que a Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo (Sefaz-SP) tem criado para liberar os créditos acumulados, o que é uma garantia constitucional, ratificada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Os precedentes determinam que os governos não podem restringir o uso nem a venda para terceiros, no caso de exportadoras. Essas empresas acumulam crédito porque pagam o imposto na compra das mercadorias, mas não têm débitos na venda para fora do país, pois a operação é isenta. A solução é vender a terceiros.

Os créditos devem ser conferidos pela Sefaz e a transferência para empresas fora do grupo econômico também deve ser autorizada pelo órgão. O prazo para análise do processo administrativo é, em tese, de 120 dias. Mas, em alguns casos, o governo demora mais de dois anos para liberar – muito por limitações orçamentárias.

De acordo com advogados, o governo paulista só tem autorizado o uso dos créditos pelo programa ProAtivo, criado em 2021 para dar maior liquidez a quem investe em São Paulo. A adesão é voluntária, mas a Sefaz-SP tem condicionado a transferência à participação. Foram feitas 11 rodadas de liberação de créditos. Mas desde maio do ano passado não há uma nova rodada, nem previsão para a próxima. A mais recente autorizou o uso de R$ 700 milhões, limitados até R$ 30 milhões por empresa. Se vendido para terceiros, deve ser parcelado em até seis vezes.

Procurada pelo Valor, a Sefaz-SP não se manifestou até o fechamento desta edição. Nas ações judiciais, a secretaria diz que a transferência de crédito “depende de avaliação discricionária da autoridade fazendária”. Afirma que como a “operacionalização implica a conversão de recurso público, necessário o estabelecimento de critérios, os quais são materializados na decisão da autoridade fazendária, por meio do juízo de conveniência e oportunidade”.

Em um dos casos, uma exportadora de grãos buscava transferir R$ 2,5 milhões de crédito acumulado já reconhecido pelo Fisco paulista. O pedido foi negado pela Sefaz-SP sob a justificativa de que seja incluído em futura rodada do Programa ProAtivo. O juiz do caso, Evandro Carlos de Oliveira, da 7ª Vara de Fazenda Pública, disse que “não é da alçada do Fisco paulista colocar obstáculo à transferência dos créditos de ICMS decorrentes de exportação”. Ele autorizou a transferência em parcela única, corrigida pela Selic (processo nº 1002720-84.2025.8.26.0053).

Outra empresa, de alimentos, tentava autorização na Sefaz para vender R$ 12 milhões de créditos desde novembro de 2024. “O que se tem no caso concreto é que o Fisco paulista impôs condições adicionais, não previstas na Lei Complementar”, disse o juiz Renato Augusto Pereira Maia, da 11ª Vara De Fazenda Pública (processo nº 1002721-69.2025.8.26.0053).

A 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) chegou à mesma conclusão, em um caso em que a empresa tentava transferir R$ 30 milhões desde agosto de 2023 (processo nº 1090892-70.2023.8.26.0053). Os magistrados consideram o artigo 25 da Lei Complementar nº 87/1996, a Lei Kandir. O dispositivo estabelece a possibilidade de transferência “mediante a emissão pela autoridade competente de documento que reconheça o crédito”. Só nos casos que não são de exportadoras, o Estado pode definir como será.

A jurisprudência do STJ, da 1ª e 2ª Turmas, é pacífica no sentido de que os créditos oriundos de operações com exportação “podem ser transferidos a terceiros, sem qualquer vedação por parte da legislação estadual, sob pena de ferir o princípio da não cumulatividade” (REsp 1232141, RMS 13544).

O tributarista André Buttini de Moraes, do ButtiniMoraes que atuou nos cinco casos, diz que as empresas têm ido mais ao Judiciário após aprovação da reforma tributária. “O risco de perda ou diluição da monetização por 20 anos fez com que essa pauta seja ainda mais prioritária”.

Ela lembra que em alguns Estados, como o Paraná, o governo tem buscado uma via alternativa. Lá foi criado, em maio deste ano, um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios do Agronegócio voltado para financiar o setor. Quem investir, poderá transferir os créditos de ICMS com mais facilidade. De acordo com a Secretaria da Fazenda paranaense, já foram investidos R$ 2 bilhões no fundo.

Já São Paulo tem sido mais resistente. Nos primeiros anos, o ProAtivo funcionou bem, diz Buttini de Moraes. “O problema é que a Sefaz está impondo o programa como única medida de transferência”, afirma. Ele lembra que a última rodada foi frustrante. “Teve o triplo de adesões, então as empresas que pediram a cota máxima, de R$ 30 milhões, só ficaram com R$ 12 milhões”, afirma, “o que tem gerado muitas ações judiciais”.

A situação é ainda pior em outros Estados, sem regulamentação sobre o assunto, indica levantamento feito pelo advogado Daniel Moreti, do FMIS Law. “Grande parte não possui sequer sistemas informatizados para fazer a quantificação, apuração e validação dos créditos”, diz.

Em nota, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) de São Paulo disse que analisa as decisões e já recorreu em alguns dos casos.

https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2025/07/28/justica-paulista-permite-venda-imediata-de-saldo-credor.ghtml

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