Por Rafael Benevides
A tão esperada reforma tributária brasileira, introduzida no final de janeiro, visa a simplificar o complexo e oneroso sistema tributário do país e introduz dois novos tributos: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), em nível federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), em nível estadual e municipal.
Esses tributos substituirão vários impostos existentes ao longo de um período de transição de dez anos e espera-se que melhorem a transparência, reduzam a litigiosidade tributária e alinhem o sistema tributário brasileiro às melhores práticas internacionais.
Embora a transição completa leve uma década, as empresas precisam começar a se preparar para as mudanças graduais que transformarão demonstrações financeiras, estratégias de precificação e conformidade tributária.
Uma das mudanças fundamentais é a natureza exclusiva da CBS e do IBS. Ambos funcionarão mais como um imposto sobre valor agregado (IVA), diferentemente do regime anterior, onde tributos como o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) eram embutidos nos custos e despesas.
Isso significa que as empresas atuarão apenas como arrecadadoras desses tributos, repassando o ônus econômico ao consumidor final, em vez de reconhecê-los como custos que impactam suas demonstrações de resultados.
Como resultado, as entidades verão mudanças estruturais na forma como os tributos indiretos afetam seus relatórios financeiros:
A CBS e o IBS não serão incluídos na receita ou nos custos operacionais, pois são tributos exclusivos e não afetam a lucratividade.
As empresas precisarão adaptar seus sistemas contábeis para registrar corretamente esses tributos como itens separados, sem distorcer os resultados.
O mecanismo de crédito da CBS e do IBS garantirá a não cumulatividade, reduzindo os custos tributários na cadeia produtiva.
No entanto, a transição está longe de ser simples, pois o regime tributário existente continuará impactando as demonstrações financeiras por anos.
Embora a CBS e o IBS eventualmente substituam o PIS e a Cofins, esses tributos e outros continuarão existindo durante os dez anos de transição. Isso significa que as estratégias de precificação ainda precisarão considerar a carga tributária existente, exigindo o cálculo de gross-up para cobrir os tributos.
Um dos aspectos mais críticos da reforma é a previsão de que os tributos antigos devem ser excluídos da base de cálculo da CBS e do IBS. Isso evita a incidência em cascata de impostos e impede que os novos tributos sejam inflados além do escopo pretendido.
Essa previsão é essencial para as empresas que estruturam seus modelos de precificação durante a transição, pois:
A dupla tributação é mitigada ao excluir explicitamente PIS, Cofins, ICMS e ISS dos cálculos da CBS e do IBS.
As empresas ainda precisarão contabilizar os tributos antigos em suas demonstrações de resultados, pois continuam afetando custos operacionais e receita.
Os créditos tributários do sistema antigo continuarão sendo relevantes, exigindo um planejamento tributário cuidadoso para otimizar custos.
Um exemplo numérico é apresentado abaixo para destacar a importância dessa previsão. As alíquotas foram ajustadas para facilitar a demonstração:
Situação Atual
– Preço: R$ 100
– Alíquota tributária exemplificativa: 15%
– Gross-up: R$117
– Tributos atuais (PIS/Cofins/ISS): (R$ 17)
Receita líquida: R$ 100
Um gross-up é aplicado para garantir R$100 de receita líquida.
Período de Transição (se o artigo 12 não existisse)
– Preço: R$ 100
– Alíquota dos tributos legados: 15%
– Novo IVA (alíquota de transição): 5%
– Gross-up: R$ 117
– Tributos legados: (R$ 17)
– Novo IVA: (R$ 6)
Total de impostos: R$ 23
Aplica-se um gross-up para garantir uma receita líquida de R$ 100, mas o gross-up aumenta a base de cálculo do novo IVA exclusivo.
Período de Transição (com o artigo 12)
– Preço: R$ 100
– Alíquota exemplificativa dos tributos atuais: 15%
– Nova alíquota exemplificativa do IVA (transição): 5%
– Gross-up: R$ 117
– Tributos antigos: (R$ 17)
– Novo IVA: (R$5)
Tributos totais: R$22
Um gross-up é aplicado para garantir R$ 100 de receita líquida. No entanto, ele não aumenta a base tributável do novo IVA, pois os tributos antigos (ICMS, ISS, PIS/Cofins) são excluídos do cálculo conforme o artigo 12.
Três estratégias essenciais para as empresas no Brasil
- As estratégias de precificação devem se adaptar gradualmente. As empresas devem continuar aplicando o gross-up para os tributos antigos enquanto se preparam para a CBS e o IBS. Modelagens cuidadosas são necessárias para evitar subestimar a carga tributária total ao longo da próxima década.
- O planejamento financeiro e a complexidade dos relatórios aumentarão. As organizações precisarão manter cálculos tributários paralelos para fins de conformidade, garantindo a separação adequada entre os sistemas tributários antigo e novo. Os sistemas de gestão empresarial (ERP) devem ser ajustados para excluir corretamente os tributos antigos do cálculo da CBS e do IBS.
- A gestão do fluxo de caixa se tornará mais crítica. Embora a CBS e o IBS não impactem diretamente o lucro e prejuízo, sua implementação exige que as empresas gerenciem seus fluxos de caixa de forma eficaz para acomodar ambos os sistemas. As empresas devem antecipar possíveis interrupções na recuperação de créditos tributários, especialmente em setores altamente dependentes de incentivos fiscais.
A reforma tributária brasileira representa uma mudança significativa rumo a um sistema modernizado, similar ao IVA. No entanto, a década de transição significa que as empresas precisarão lidar com as complexidades do sistema antigo enquanto se adaptam ao novo. Os tributos antigos ainda impactarão os lucros e prejuízos, exigindo ajustes contínuos na precificação e uma exclusão cuidadosa da base de cálculo da CBS e do IBS.
Para as empresas que operam no Brasil, incluindo multinacionais, a reforma introduz tanto oportunidades quanto desafios. O planejamento tributário estratégico, os ajustes nos sistemas e a reconfiguração de precificação serão essenciais para uma transição bem-sucedida.