Governos começam a se mexer para elevar receita com reforma tributária

Por Marta Watanabe

Em 2023, o município de Serra, no Espírito Santo, emitiu R$ 8,45 milhões em multas por infrações relativas ao Imposto sobre Serviços (ISS), o principal tributo recolhido pelas prefeituras.

Em 2024, o município começou um programa de estímulo à conformidade, e o valor total das multas caiu para R$ 679,2 mil. No mesmo período, a arrecadação de ISS aumentou 22%, para R$ 427 milhões. O avanço é atribuído ao dinamismo econômico, mas também ao crescimento do pagamento espontâneo do tributo.

Ao lado de outras medidas, o programa foi aplicado para aumentar a arrecadação do ISS e considerou o calendário do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) criado pela reforma tributária, diz o secretário municipal de Fazenda de Serra, Henrique Valentim. “A ideia foi facilitar a relação com o contribuinte e também arrecadar mais”, diz o secretário, que integra o grupo de coordenação estratégica do Pré Comitê Gestor do IBS.

Os dados de Serra mostram que, apesar de a substituição gradativa dos atuais ISS e ICMS — Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, recolhido pelos Estados — pelo IBS começar somente em 2029, a reforma já provoca medidas em busca de aumento de receita do novo tributo.

O IBS deve ultrapassar a arrecadação anual de R$ 1 trilhão a partir da sua implementação plena, em 2033, segundo estimativa da Febrafite, associação que reúne os fiscais de tributos do país. O cálculo considerou a média observada de arrecadação de Estados e municípios de 2019 a 2024 e projeção para 2025 e 2026.

O IBS terá sua arrecadação e gestão compartilhada entre Estados, Distrito Federal e municípios. Ao lado da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), o IBS integra o modelo dual do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) estabelecido pela reforma tributária aprovada em 2023.

Assim como a CBS, o IBS terá legislação uniforme em todo o país, será não cumulativo e cobrado no destino. Ou seja, o imposto é devido no Estado ou município em que ocorre a aquisição do bem ou serviço.

O IBS, na verdade, começa a ser calculado em 0,1% em 2026, mas sem recolhimento efetivo caso os contribuintes cumpram as obrigações acessórias. Em 2027 e 2028 haverá alíquota-teste de 0,1%. A partir de 2029, inicia a transição efetiva do ICMS e do ISS para o IBS, de forma gradual até 2033. Para o consumidor, a transição do IBS estará completa a partir de 2033.

O estudo da Febrafite estimou alíquota de IBS de 19%, dos quais 16,8 pontos percentuais (p.p.) para Estados e 2,1 p.p. para municípios. A alíquota global do IVA dual é estimada em 28%, considerando também 9% de CBS. A alíquota de referência do IBS deverá ser calibrada gradualmente, durante a transição, de forma a manter a média de arrecadação de ICMS e ISS entre 2027 e 2031.

Diferentemente do período de transição aos consumidores, que é de oito anos, o prazo de ajuste gradativo a Estados e municípios para a distribuição da arrecadação do IBS, considerando também a tributação no destino, é muito maior: de 50 anos.

Durante essas cinco décadas, a parte da receita cobrada no destino será retida pelo Comitê Gestor do IBS para ser distribuída de acordo com a receita média de cada ente federado no período anterior à entrada em vigor da reforma tributária. A receita média de cada Estado ou município servirá para compor uma espécie de índice de distribuição.

“A transição para os contribuintes é até 2032. Para os entes federados vai até 2077. Então, o aumento da arrecadação no período de 2019 a 2026 irá afetar o índice de distribuição a Estados e municípios e terá efeito que vai perdurar no tempo”, diz Rodrigo Spada, presidente da Febrafite.

Em 2024, diz o estudo, a arrecadação de ICMS somou R$ 808 bilhões, e a de ISS, R$ 141 bilhões. A arrecadação média estimada para o período de 2019 a 2026 é de R$ 854,9 bilhões de ICMS e de R$ 135,5 bilhões de ISS, totalizando R$ 990,4 bilhões. Foram considerados dados informados nos relatórios fiscais de Estados e municípios até 2024. Para 2025 e 2026 foram considerados os valores de 2024 corrigidos em 2% ao ano.

Considerando a média de 2019 a 2024, a arrecadação dos Estados foi de aproximadamente 87%, superior aos 85% verificados em 2024, aponta o cálculo da Febrafite. “Dessa forma, a regra de transição oferece indiretamente uma espécie de compensação aos Estados pela perda relativa de peso entre ICMS e ISS”, diz o estudo.

O mecanismo de repartição pela média tem por objetivo mitigar perdas abruptas de arrecadação dos entes subnacionais na mudança para a tributação no destino, sendo o cálculo da receita média entre 2019 e 2026 feito para cada ente regional. Para os municípios, o cálculo da receita média deverá considerar a soma de sua receita própria de ISS e da cota-parte do ICMS. Assim, a receita média do Estado deve ser líquida do ICMS transferido para seus municípios. Ou seja, a receita média equivalerá a uma espécie de índice médio de participação de cada ente federado no bolo de ICMS e ISS entre 2019 e 2026, diz a nota.

O movimento recente de elevação de alíquotas de ICMS pelos Estados, diz Spada, deve ter ajudado os governos a manter certa participação no bolo de arrecadação do imposto. Ele acredita, porém, que os aumentos foram motivados principalmente como reação à limitação imposta aos Estados na cobrança de ICMS sobre combustíveis, energia elétrica e telecomunicações em 2022. A alíquota-padrão média do imposto, de 17,61% em 2022, subiu para 19,24% em 2025. Nos últimos três anos, ao menos 18 Estados e o Distrito Federal aumentaram a alíquota padrão do ICMS pelo menos uma vez.

“Embora o aumento de alíquotas tenha efeito mais rápido, o crescimento de arrecadação pode ser buscado por outras vias. Redução de benefício fiscal, aumento de fiscalização e programas de parcelamento incentivado ajudam a manter arrecadação sem aumento de carga tributária”, observa Spada.

Ele lembra que os programas de parcelamento incentivado acabam derivando também da fiscalização, que gera autuações e faz o contribuinte pagar o tributo. Para ele, se houver efeito maior da desaceleração da economia na arrecadação do ICMS, medidas de maior apelo popular, que estimulam o pagamento de tributos ao mesmo tempo em que melhoram o ambiente de negócios, tendem a ser buscadas pelos governadores, que em boa parte já olham para as eleições de 2026.

Para o economista e tributarista Eduardo Fleury, sócio do FCR Law, a disputa pela repartição do bolo do IBS já está em boa parte definida, pois a maior parte do período entre 2019 e 2026 está no passado. De 2027 a 2031, período que será usado para se definir a alíquota do IBS, poderá haver esforço de todos os Estados e municípios para aumentar o bolo de arrecadação de ICMS e ISS.

Isso, diz Fleury, pode estimular os Estados a reduzir incentivos fiscais. Segundo ele, já há Estados preocupados em formas de calcular a aplicação de recursos dos Fundos de Compensação de Benefícios Fiscais de ICMS. “Há dúvidas sobre a forma de medir a perda do incentivo fiscal em razão da transição gradual do ICMS para o IBS que ocorrerá entre 2029 a 2032.”

Para Kleber Castro, consultor econômico da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), os programas de conformidade tributária, nos quais o Fisco facilita a regularização do contribuinte, reduzindo as multas, significam uma mudança cultural que pode ajudar na trilha para aumentar a arrecadação.

Valentim, secretário de Serra, explica que a implementação do programa de conformidade no município não foi um “virar de chave, mas algo construído”. Foi criado um grupo de trabalho para melhoria da relação com o setor produtivo, para aperfeiçoar procedimentos e reduzir burocracia. Um dos temas do grupo foi facilitar ao contribuinte o pagamento do ISS declarado. “Antes a multa pela infração de não pagamento no prazo podia chegar a 100%. Era algo perverso”, diz.

Para Castro, da FNP, os municípios também podem estabelecer convênios para melhorar a fiscalização, com atualização permanente de cadastros e investimentos na automação de processos. “São medidas que podem ajudar na divisão do bolo do IBS como também no esforço para aumentar a arrecadação total do imposto.”

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2025/06/30/governos-comecam-a-se-mexer-para-elevar-receita-com-reforma-tributaria.ghtml

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