Por Flávia Said (Broadcast) e Mateus Maia (Broadcast)
Prestes a deixar o governo, o secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, disse ao Estadão/Broadcast que as exceções incluídas na reforma tributária superaram o que seria ideal e acabaram elevando a alíquota de referência, mas foram o “custo político” da aprovação.
Apesar das modificações, ele avalia que a “espinha dorsal” da reforma foi mantida. “Entre fazer um projeto imperfeito numa democracia e fazer um projeto perfeito numa ditadura, prefiro fazer um projeto imperfeito numa democracia”, disse.
A fase de testes do novo sistema está prevista para começar em 1º de janeiro, mas Appy ponderou que 2026 será um ano de orientação. “Não é um ano de punição. Não se pretende punir as empresas. Se pretende orientar para que se adaptem ao sistema que tem que começar a funcionar de fato em 2027”, garantiu.
Appy fica no cargo até 6 de novembro, quando a secretaria que chefia será extinta. Sobre seu futuro, ele disse que deverá tirar um mês ou dois de descanso, e depois pretende “continuar participando do debate de políticas públicas”.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
Como o sr. viu o texto do Projeto de Lei Complementar (PLP) 108, que regulamenta a segunda parte da reforma tributária sobre consumo, que foi aprovado no Senado e agora está na Câmara?
Está bem positivo. A Câmara já tinha feito um bom trabalho. O Senado melhorou. O grosso dos ajustes foi positivo. Mas tem de esperar ainda, tem o retorno à Câmara.
O governo vai sugerir a supressão de algum trecho na Câmara?
Não tem nada definido ainda. São os deputados que vão decidir. Nós já estamos em conversa. Já tivemos uma primeira conversa com o deputado Mauro Filho (relator) e com a equipe dos consultores da Câmara, mas, se tiver algum pedido específico, não está definido.
Como está a expectativa para a votação na Câmara? Passa este ano?
Este ano com certeza absoluta, independentemente de onde eu estiver. Deste ano não passa.
Tem dois projetos ainda que precisam ser enviados…
Tem o projeto da alíquota do Imposto Seletivo e tem um projeto de lei, uma parte muito técnica, de forma de transferência de recursos para o Fundo Nacional de Compensação de Benefícios Fiscais (FCBF). Para o FCBT, tem um aporte este ano ainda, o valor já está dado.
Esse precisa ser aprovado este ano?
Esse segundo, sim. O Imposto Seletivo precisa ser aprovado no ano que vem, a tempo dos impactos serem considerados na fixação da alíquota da CBS para 2027. Porque a arrecadação do Imposto Seletivo é um parâmetro que define a alíquota da CBS.
As minutas desses projetos já estão prontas?
Esses projetos passam por muitos órgãos, mas, do ponto de vista da minha secretaria e da quase totalidade dos outros órgãos do governo que ficaram de analisar, esse projeto que determina os critérios de aporte de recursos no Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais e no FNDR, já está bem avançado. A decisão de quando mandar é uma decisão política. O projeto das alíquotas do Imposto Seletivo já tem um trabalho muito grande feito, mas é mais de apoio técnico para a decisão política sobre quais serão as alíquotas.
E quanto à alíquota padrão?
Na verdade, já está sendo feito o trabalho pela Receita Federal de elaboração da metodologia para definição da alíquota, sendo discutido, inclusive, com o TCU. O número que nós temos hoje é aquele (de 28%), mas a metodologia está sendo mais detalhada agora. Ela está sendo aprofundada, mas o número que a secretaria trabalha ainda é aquele número que foi divulgado.
No fim, o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) vai ficar com uma alíquota alta. Como o sr. acha que o governo deve abordar essa situação para conseguir que as pessoas, na ponta, entendam que está melhor do que está pior?
Na verdade, por vários motivos, a carga tributária atual é totalmente opaca para o consumidor. O que o novo modelo vai fazer é tornar transparente essa carga tributária que o consumidor já está pagando hoje.
Como o sr. avalia as exceções? A Fazenda sempre foi crítica ao número de exceções.
Foi o custo político para a aprovação da reforma. Obviamente, do ponto de vista do Ministério da Fazenda, foi um número de exceções maior do que a gente gostaria que tivesse. Mas, por outro lado, em relação à quantidade de exceções que a gente tem hoje, claramente, reduziu. É um sistema claramente mais uniforme do que o sistema que temos hoje. E o próprio Congresso colocou, aprovou a revisão quinquenal do modelo. Então, acho que nós vamos ter uma oportunidade, começando já em 2031, ainda durante a transição, de avaliar os resultados do que foi colocado.
Na quantidade, o sr. avaliou que foi a mais. E no mérito, vocês fizeram essa avaliação do que é meritório e o que não é?
Todo mundo sabe que a gente sempre preferiu trabalhar com cashback, com a devolução do imposto para as famílias, do que com alíquotas reduzidas. No fundo, ficou ali um modelo intermediário que ainda não teve alíquotas reduzidas para algumas categorias, mas que, ao mesmo tempo, já tem o cashback de volta. Estamos numa democracia. Não adianta dizer qual é o ideal técnico aqui. O ideal é o que é viável politicamente. O novo sistema é, claramente, muito melhor do que o sistema que a gente tem hoje. Entre fazer um projeto imperfeito numa democracia e fazer um projeto perfeito numa ditadura, prefiro fazer um projeto imperfeito numa democracia.
Sobre o split payment (mecanismo que separa automaticamente os tributos), estão falando que tem vários desafios, tem a questão da integração dos meios de pagamento, que são muitos, uma ferramenta para unificar, como tem sido esse debate?
O que já está definido é que o split payment vai começar nas operações entre empresas, o que a gente chama B2B (relação entre empresas), ou seja, em que o adquirente tem direito para crédito e de forma opcional, isso já está definido. Já está bem avançada a discussão sobre cada instrumento de pagamento, como deve ser implementado, a forma como será implementado, inclusive do ponto de vista técnico. Ainda tem o desafio, ainda está na fase de definições, mas logo, logo vai começar o investimento nos sistemas mesmo do split payment.
Qual é a expectativa para o início de 2026, quando começa a reforma, a fase de testes?
É um ponto importante, um ano de teste. A ideia é não cobrar IBS e CBS em 2026. Vão ser exigidas obrigações acessórias das empresas. Então, não vai se exigir de nenhuma empresa uma obrigação acessória criada no dia para o dia seguinte. O ano serve exatamente para isso, identificar problemas. A ideia é orientar as empresas, 2026 é um ano de orientação. Não é um ano de punição. Pretende-se orientar para que as empresas se adequem ao sistema que tem que começar a funcionar de fato em 2027.
Sobre esses sistemas eletrônicos, quais as expectativas em relação a prazos? No ano de teste eles já vão estar plenamente funcionais?
O sistema que é o básico, o grosso dos contribuintes, vai estar disponível desde primeiro de janeiro. O que já está sendo desenhado para CBS, já vai estar disponível no início do ano que vem.
Aquele limite de 26,5% vai ser avaliado?
Na primeira avaliação quinquenal, que é em 2031, ainda durante a transição. A gente vai ter bastante clareza sobre qual vai ser a alíquota no final da transição, pelo volume de informações que já vai estar disponível. Se, por acaso, a projeção for que no final da transição, em 2033, a soma da alíquota IBS-CBS venha a ser superior a 26,5%, o Poder Executivo vai ter que enviar para o Congresso um projeto de lei complementar, reduzindo os tratamentos favorecidos, que é a única forma de reduzir a alíquota padrão, que se for aprovado pelo Congresso, vai fazer a alíquota convergir para esse nível de 26,5%.
Mas pode reduzir as exceções antes dessa avaliação de 2031?
Poder, pode. Pode aumentar as exceções também. A única diferença é que, se o Congresso quiser aumentar as exceções, terá de apresentar uma estimativa de qual é o impacto do que está sendo feito sobre a alíquota de referência. Mas pode. O Congresso já poderia, antes de 2031, rever as exceções.
Quais são os seus planos? O sr. vai voltar para o Centro de Cidadania Fiscal?
Ainda estou avaliando o que eu vou fazer depois. Vou tirar pelo menos um mês ou dois de descanso, que é para não fazer nada mesmo. E o que eu vou poder fazer depois vai depender muito da Comissão de Ética Pública. Depende do que autorizar. Mas eu pretendo continuar participando do debate de políticas públicas. Do lado da sociedade civil. Não do lado de nenhuma empresa, porque eu nunca fiz isso.