Por Andréa Mascitto e Ademir Trindade Filho
A iminente entrada em vigor da reforma tributária tem mobilizado empresas de todos os setores. A transição do atual modelo, sobretudo do ICMS, para o novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) traz impactos diretos na gestão tributária e no fluxo de caixa das empresas comerciais, exigindo preparação desde já.
A Emenda Constitucional (EC) n° 132 estabeleceu que os saldos credores de ICMS acumulados até 31 de dezembro de 2032 – fim do período de transição da reforma – poderão ser utilizados em 240 meses, exceção feita aos créditos de ativo imobilizado. Isso mesmo, 20 anos! Essa compensação diluída no tempo, ainda que com a intenção de evitar fraudes e garantir previsibilidade para os Estados, preocupa os contribuintes.
Empresas que atualmente contam com o abatimento dos créditos para dimensionamento do seu capital de giro podem enfrentar dificuldades significativas diante da impossibilidade de aproveitá-los integralmente no curto prazo. Mais do que uma questão contábil e financeira, o tema é estratégico. Ao depender de um cronograma de compensação que se estende por duas décadas, as empresas correm o risco de ver seus recursos imobilizados, comprometendo fluxo de caixa, investimentos, expansão e, em muitos casos, até mesmo a operação regular do negócio.
A regulamentação do procedimento para a utilização desses créditos está disposta no Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 108/24, ainda pendente de aprovação no Congresso e, portanto, não é definitiva ainda. Esse projeto de lei prevê a necessidade de pedido de habilitação (a ser protocolado até 1º de janeiro de 2033) e da homologação dos créditos pelos Estados. Após o protocolo, os Estados terão 24 meses para se manifestar. Caso não o façam nesse prazo, será considerada a homologação tácita. Esse procedimento, embora tecnicamente razoável, estabelece um novo gargalo burocrático.
Em termos práticos, é recomendável que as empresas iniciem desde já um levantamento preciso dos seus créditos de ICMS acumulados, especialmente aqueles que podem ter origem controversa ou que dependam de interpretações fiscais mais complexas. Antecipar discussões com os Fiscos estaduais, buscar pareceres técnicos (contábeis e jurídicos) e realizar auditorias internas são medidas que podem evitar entraves futuros no processo de homologação.
Nesse contexto, a comercialização de créditos de ICMS surge como alternativa estratégica para empresas que prefiram antecipar receitas ao enfrentar o longo período de utilização dos créditos. Para os adquirentes, representa uma nova oportunidade no mercado de direitos creditórios, proporcionando a possibilidade de alguns tipos de transação, a exemplo da intermediação da compra dos créditos homologados entre empresas, antecipação de caixa aos contribuintes com deságio no tempo, bem como a compensação de débitos próprios de IBS na sua operação pós 1º de janeiro de 2033 ou de ICMS enquanto vigente.
Nessa estratégia, deve ser considerada ainda a importância da interlocução técnica e política para a regulamentação do disposto no § 11 do artigo 100 da Constituição Federal, que permite aos entes federativos editarem leis para autorizar o uso de créditos líquidos na quitação de débitos inscritos em dívida ativa, bem como em outros cenários dispostos nos incisos do parágrafo. Trata-se de momento estratégico com potencial de permitir maior liquidez e fomentar o mercado de negociação de direitos creditórios no curto prazo, desde que realizada com segurança jurídica e dentro dos limites normativos vigentes.
Vale ressaltar que a atual redação do PLP não deixa claro se há a possibilidade de ressarcimento ou apenas a utilização por meio de compensação para os créditos cedidos a terceiros, ponto que entendemos pode e deve ser melhor explorado ao longo dos debates no Congresso Nacional.
O cenário, portanto, exige proatividade. Aqueles que compreenderem a lógica da transição, anteciparem-se na análise de seus saldos e na adoção de estratégias que estruturem um plano de ação sólido, estarão em posição mais favorável para atravessar esse novo ciclo tributário, dado que, embora promissora em sua proposta de simplificação e modernização, a reforma tributária apresenta desafios consideráveis no período de transição, em especial o desenho do modelo de aproveitamento dos créditos de ICMS, que exige atenção redobrada.
A comercialização desses créditos, portanto, poderá atrair vantagem competitiva, reduzir os impactos negativos aos caixas da empresa e se tornar uma ótima oportunidade para empresas investidoras que poderão precificar no tempo o valor do ativo. Nesse sentido, mais do que nunca, planejamento e informação serão ativos estratégicos. Compreender o funcionamento da transição, mapear oportunidades e adotar medidas preventivas é essencial para garantir solidez financeira e conformidade fiscal no novo cenário que se desenha.
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