“A Duplicata Escritural é lastreada a partir da vinculação com a NF-e que lhe deu origem, consolidando de vez a Plataforma de Consultas para Antecipações de Recebíveis dos Estados (PLAC dos Estados).” Álvaro Bahia, ENCAT.
Por Cassio Gusson
Nesta quarta-feira, 02, durante um evento da Associação Brasileira de Bancos (ABBC), o Banco Central do Brasil (BC), anunciou o lançamento da duplicata escritural, que surgiu dentro da Agenda BC# e como proposta de digitalizar os títulos de crédito, com foco inicial na duplicata, que movimenta bilhões de reais por ano e tem papel central no ecossistema de crédito comercial no Brasil.
O sistema também deve impactar o mercado e tokenização no Brasil já que haverá uma mudança em como parte dos recebíveis são processados e negociados atualmente. Inclusive, durante o evento, Rafael Pedrao, superintende executivo de produtos da Núclea, declarou que o lançamento da duplicata escritural vai impulsionar ainda mais a tokenização no país pois ela vai dar mais garantia a todo o processo.
“O mercado de tokenização tem muito a ganhar pois será possível tokenizar duplicatas maiores em frações menores, tokenizadas, aumentando a liquidez o mercado e com benefício para toda a economia brasileira”, disse.
Ricardo Vieira, chefe do departamento de regulação do BC, apontou que entre os benefícios esperados estão a redução de spreads e ampliar significativamente a oferta de crédito. De acordo com ele, este mercado tem o potencial de negociar R$ 10 trilhões.
“Agora será possível contar com uma garantia muito mais robusta, rastreável e confiável. A duplicata escritural traz governança, padronização e segurança, o que pode inserir milhares de empresas no mercado formal de crédito, especialmente aquelas que antes enfrentavam dificuldades por não conseguirem estruturar ou comprovar adequadamente seus recebíveis” afirmou.
Vieira também explicou que a duplicata escritural vem sendo chamado pelo BC como “open asset” em referência ao open finance e que ela não altera a natureza jurídica do título, mas traz a possibilidade de sua emissão em formato digital, dentro de um sistema autorizado e regulado pelo Banco Central. Segundo ele, essa mudança visa facilitar a negociação e o uso desse ativo como garantia, acompanhando a evolução do sistema financeiro.
“Ao longo dos anos, a duplicata em papel perdeu relevância prática, sendo substituída por outras formas de negociação de recebíveis mercantis como o boleto. No entanto, percebemos, em visitas técnicas a empresas em São Paulo, que muitas delas não recebem exclusivamente por boleto. Em alguns casos, 40% dos pagamentos vêm por boleto e 60% por transferências bancárias. Isso gerava dificuldade na formalização dos recebíveis e na sua utilização como instrumento de crédito — seja para desconto, seja para garantia”, afirmou.
O executivo do BC destacou também que a regulamentação da duplicata escritural se apoia em dois pilares normativos: a Resolução BCB nº 3.775, que regula a atuação das instituições financeiras nesse mercado de recebíveis de duplicatas, e a Resolução PCD nº 339, que define como deve funcionar o sistema de escrituração autorizado. Essa segunda norma detalha as funcionalidades mínimas que o sistema precisa oferecer para garantir segurança e confiabilidade.
“Nosso objetivo não era apenas digitalizar a duplicata. Queríamos resolver dores históricas desse mercado, e para isso aproveitamos o potencial da estrutura digital para atacar problemas antigos” disse.
Lançamento previsto para novembro
De acordo com Vieira, atualmente o sistema está em fase de testes e deve ser lançado, de modo faseado, entre novembro de 2025 e março de 2026, com adesão voluntário entre os bancos e demais participantes do sistema financeiro nacional.
Depois de todo o processo de estruturação, os sistemas passarão por fases de testes. Cada participante poderá escolher qual sistema contratar, conforme suas necessidades. Após os testes, haverá um processo interno de aprovação no Banco Central.
“Nosso marco de referência está entre novembro e março, para o início da operação dos primeiros sistemas, com funcionalidades ainda restritas inicialmente, durante a chamada produção assistida”, revelou
Durante o período inicial, o sacador só poderá emitir duplicatas contra sacados que já tenham sido previamente embarcados no sistema. Isso significa que o sacado precisa estar registrado em algum sistema de escrituração, o que possibilita que ele receba a notificação da duplicata de forma adequada.
Nessa etapa, o sacado embarcado terá acesso a uma interface onde poderá visualizar duplicatas emitidas em seu nome, bem como os instrumentos disponíveis para pagamento. Uma vez encerrada a produção assistida, entra-se no faseamento de seis meses para a implementação total do sistema.
“No entanto, é importante deixar claro: a obrigatoriedade recairá apenas sobre os bancos, não sobre os sacadores ou sacados. Pequenos emissores, por exemplo, poderão aderir ao ecossistema de forma voluntária desde o início”, afirmou.
Garantias da duplicata escritural
Para o lançamento, o BC buscou aprimorar o controle da unicidade da duplicata, garantindo que o mesmo título não seja negociado múltiplas vezes e a validade da duplicata, que muitas vezes sofria com a dificuldade de associação entre o título de crédito e o documento fiscal que lhe dá origem.
“Embora a duplicata possa ser emitida com base na fatura, a vinculação ao documento fiscal agrega valor ao título, fortalecendo sua credibilidade e uso como garantia”, revelou
Ainda segundo o executivo do BC, um dos desafios históricos foi a verticalização causada pelo boleto bancário. O boleto acabou se tornando, na prática, o principal instrumento de negociação dos recebíveis, mas isso concentrava o processo de financiamento nas mãos de quem emitia o boleto. Com isso, empresas buscavam múltiplos bancos apenas para diversificar emissões e tentar diluir o controle.
“Nosso propósito agora é desvincular o boleto da duplicata, deixando claro que o que está sendo negociado é a duplicata, e o boleto continua sendo apenas um instrumento de pagamento. Vamos trabalhar também com o conceito do boleto vinculado à nota fiscal, o que permite uma associação eficiente, mas sem confundir as naturezas jurídicas dos instrumentos”, revelou
Aumentar a liquidez do mercado financeiro
Gilneu Francisco Astolfi Vivian, diretor de regulação do Banco Central do Brasil, destacou que o principal objetivo é melhorar a visibilidade e a qualidade das garantias disponíveis para o mercado.
“Ao longo do tempo, o Banco Central tem atuado em diversas frentes com esse propósito. Um bom exemplo é o trabalho desenvolvido em torno dos recebíveis de cartão. Agora, avançamos para discutir, de forma mais efetiva, como um banco pode receber, como garantia, uma duplicata com segurança e clareza, sem depender de inúmeros controles e verificações manuais”, revelou
De acordo com ele, o objetivo é ter mais segurança no uso de garantias, um fluxo digital confiável e acesso a informações completas sobre os ativos envolvidos.
“Se conseguirmos repetir o que já foi observado no caso dos recebíveis de cartão, poderemos reduzir os custos de transação e de crédito, além de aumentar a oferta de crédito ao tomador final”, afirmou.
Leandro Vilain, CEO da AABC, apontou que a duplicata escritural traz enorme potencial de transformação, pois ela atua no financiamento direto na cadeia produtiva, com garantias de qualidade, o que representa uma oportunidade de redução de taxas e juros.
“Isso fortalece o sistema, tornando-o mais consistente, resiliente e sustentável a longo prazo, beneficiando o setor produtivo e os clientes finais. Atualmente, falamos de um volume de cerca de R$ 200 bilhões em carteira, mas o potencial de alavancagem chega à casa dos trilhões. Não quero fixar um número exato, mas é evidente que o impacto pode ser gigantesco”, apontou.
Vilain apontou ainda que o projeto agrega valor real ao sistema financeiro, promovendo maior controle, rastreabilidade, segurança e transparência, “esperamos que tudo isso se traduza, na prática, em melhores condições para os clientes e mais recursos para os setores produtivos”, completou.
https://br.cointelegraph.com/news/central-bank-event-duplicate-accounting