A reforma tributária está nos trilhos?

Por Pedro Diniz

As recentes mudanças na estrutura tributária que incide sobre a produção e o consumo trazem a esperança de um sistema mais justo, eficiente e neutro. Quem não deseja maior justiça fiscal, com alíquotas mais reduzidas e com menor impacto na racionalidade empresarial?

Para efetivação desses bons resultados, a regulamentação dos novos tributos deve ser aprovada nos prazos previstos, mas é preciso muita atenção e esforço de todos para eliminar os antigos problemas, ligados aos defeitos dos antigos tributos, e também os surgidos no processo de implantação dos novos.

A demorada tramitação legislativa da reforma, marcada pela pressão dos atores envolvidos e pelos necessários ajustes para permitir a adequada repartição de recursos entre os entes, acabou por deixar em segundo plano as maiores expectativas da sociedade – destacando-se entre elas a redução da carga tributária e a diminuição dos contenciosos administrativos e judiciais.

Apesar de presentes nos princípios da proposta, os demais aspectos da reforma dos tributos acabaram se sobressaindo durante o processo legislativo. Em conjunto, a indefinição sobre a carga final e as alíquotas dos novos tributos, assim como os recentes questionamentos apontados pelo grupo de trabalho formado no Superior Tribunal de Justiça, avaliando que o novo contencioso tem potencial para triplicar o já existente com os atuais tributos, acendem um sinal de alerta que vem sendo desprezado pela sociedade e pelos parlamentares.

O projeto em trâmite para tratar da gestão do IBS, novo imposto dos Estados, do DF e dos municípios, não está recebendo a atenção devida da sociedade, e a pressa para atender o calendário definido pode acabar gerando e mantendo situações disfuncionais que tanto prejudicam a qualidade da tributação.

No Senado Federal, a tramitação do projeto vem repetindo o tom de discussão genérica que norteou os debates sobre a Emenda Constitucional 132/2023, com intervenções e colaborações pontuais das diversas autoridades ouvidas, em sua maioria direcionadas para interesses setoriais e particulares.

No momento, o foco deve ser a discussão aprofundada da operacionalização do modelo inédito da gestão consorciada dos tributos. É preciso lembrar que os dois novos tributos – a Contribuição sobre Bens e Serviços, da União, e o Imposto sobre Bens e Serviços, dos Estados, DF e municípios – não são apenas gêmeos comuns, mas devem ser siameses, conforme previsto no sistema dual implantado pela nova redação constitucional.

Vejamos, por exemplo, a situação do órgão criado para implantar o novo modelo. O Comitê Gestor é o encarregado, dentre outras tarefas, da elaboração do Regulamento do IBS, peça estruturante que é citada mais de 130 vezes no texto da Lei Complementar 214, de janeiro de 2025. Apesar de ter sido instaurado em 16 de maio, o Comitê não poderá tomar decisões por falta de quórum, em razão da ausência de parte dos representantes dos mais de 5.500 municípios brasileiros.

O adiamento da escolha dos membros resulta dos conflitos entre a Confederação Nacional de Municípios (CNM), que representa cerca de 4.500 pequenos municípios, e a Frente Nacional de Prefeitos e Prefeitas (FNP), que representa pouco mais de 400 municípios, englobando as capitais e outros municípios com mais de 80 mil habitantes.

Neste contexto, o imbróglio pode atrasar a aprovação do regulamento do IBS, além de gerar outros problemas quanto à gestão compartilhada, em função da ausência desses componentes. Tal demora na definição de como ocorrerá a gestão compartilhada afeta o cronograma de implantação da reforma, que prevê a cobrança da CBS e do IBS, de forma progressiva, já a partir do ano de 2026, demandando uma imediata implantação da estrutura de regulamentação capacitada para operacionalizar o modelo.

As definições necessárias para a instituição plena da CBS são bem mais simplificadas, posto que a receita arrecadada ficará integralmente nas mãos da União. Já a regulamentação do IBS demandará um conjunto de disposições indispensáveis para que a distribuição da receita ocorra de forma a obedecer ao princípio da tributação no destino, o que afeta a distribuição do valor arrecadado entre os Estados, o DF e os municípios.

O modelo teórico de suporte, com a sistemática de distribuição dos valores devidos e distribuição de crédito do imposto cobrado nas etapas anteriores, é extremamente mais complexo, e a definição do papel e do funcionamento do Comitê Gestor é primordial e urgente.

A tributação significativa do IBS só passará a existir em 2029, ficando em vigor os atuais ISS e ICMS, em percentuais decrescentes, até o ano de 2032. Como implantar um sistema de cobrança da CBS sem que o modelo de gestão do IBS esteja também consolidado? Como mudar o modelo da CBS, caso em momento futuro o bom funcionamento do IBS demande alterações significativas decorrentes do compartilhamento de receitas, por exemplo, problema que é irrelevante quando se trata do primeiro tributo?

Deixar de lado essa problemática em momento no qual a candente polêmica sobre os déficits no orçamento versus a elevada carga tributária se destaca na imprensa e no debate político é, no mínimo, uma postura incongruente.

A falta de prioridade nas discussões sobre a implantação operacional do novo sistema, descuidando da tramitação do Projeto de Lei Complementar 108/2024, aprovado em outubro passado pela Câmara Federal, poderá comprometer o cenário fiscal nos próximos anos.

A má regulamentação do CBS/IBS surgiria como um novo ingrediente com poder de impactar, de forma negativa, as contas públicas dos entes governamentais no médio e no longo prazo, sem deixar de lado a possibilidade de que as disputas entre os entes se transformem em novos contenciosos tributários, prejudicando os contribuintes.

Por outra vertente, em caso da necessidade de alterar o calendário de implantação, se somariam os maus efeitos decorrentes da necessidade de postergar ainda mais os benefícios dessa reforma tributária que tantas esperanças gerou.

Uma discutida máxima sobre ônus e bônus nas mudanças na área dos tributos afirma que “Imposto bom é imposto antigo”. Dado o fato de que o novo sistema vem sendo implantado sem os devidos cuidados, a controvérsia sobre tal assertiva se torna muito menor.

Em outras palavras, há risco de carga e contencioso tributário mais elevados.

https://valor.globo.com/opiniao/coluna/a-reforma-tributaria-esta-nos-trilhos.ghtml

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