Por Pedro Teixeira de Siqueira Neto e Bruno Toledo Checchia
Apesar da aprovação da reforma tributária no final de 2023 e da regulamentação parcial em 2024, ainda há grande incerteza entre as empresas sobre os detalhes do novo sistema legal e sobre as etapas e medidas necessárias para adaptação dos negócios a essa nova realidade.
O início da reforma se aproxima e nada indica que poderá ser adiado: a partir de 2026 as novas regras serão aplicadas, em um ano de teste em que o cumprimento de obrigações acessórias fiscais já será obrigatório —sob pena de multas de até 100% do valor do tributo devido.
A correta compreensão e adequação ao novo sistema tributário é tema de urgência absoluta. Para que isso ocorra corretamente, é necessário que a implementação da reforma, contudo, vá além dos setores jurídico e tributário de cada empresa.
Não é difícil entender que áreas operacionais, como o TI, serão as primeiras a sofrerem os impactos de adaptação para a reforma, afinal, existe necessidade de atualização tecnológica óbvia relacionada à emissão dos novos documentos fiscais, observância de novas regras e acompanhamento das novidades técnicas divulgadas pela Receita e, futuramente, pelo Comitê Gestor.
Departamentos de vendas e contratos devem ser envolvidos em processos de revisão de cláusulas contratuais, para que os novos instrumentos contemplem as peculiaridades do sistema de tributação sobre valor agregado. Uma das grandes novidades da reforma é a “cobrança por fora” dos tributos, com seu destaque na nota fiscal. Diferentemente do modelo atual, em que os impostos compõem o preço do tributo, a realidade próxima será semelhante àquela dos EUA ou da Europa, em que preço e imposto são separados.
Essa mudança de paradigma poderá gerar surpresa e desconforto nos consumidores pouco antenados no assunto reforma, e são esperados conflitos especialmente caso a reforma implique no aumento de preços de contratos anteriores à aprovação das novas leis —o que parece inevitável.
As empresas devem rever seus contratos para deixar cada vez mais claro o que é preço e o que é tributo. Esse, inclusive, é um tema ao qual os setores responsáveis pelo Relacionamento com Clientes, Pós-Venda e até o Marketing devem ter atenção redobrada, esclarecendo seus clientes sobre o novo sistema, para que não haja uma frustração com eventuais variações imprevistas nos preços absolutos dos produtos e serviços.
Para os contratos anteriores à reforma, é possível que haja necessidade de adoção de novas cláusulas que esclareçam, por exemplo, a revisão de preços à medida em que os novos tributos sejam implementados. E essa discussão contratual trará um novo desafio às empresas, que é a precificação de bens e serviços. E, aqui, temos a necessária participação de setores financeiro e comercial.
Por fim, departamentos ligados à operação participarão de processos de revisão logística. A reforma reduz benefícios de ICMS e ISS a partir de 2029 e os extingue, definitivamente, a partir de 2033. Por isso, a instalação de uma planta ou de um centro de distribuição em determinado estado para o gozo de benefício fiscal deve considerar esse prazo limitado. Ainda que essas datas pareçam distantes, empresas que já estão instaladas fora de grandes centros podem ter de avaliar a necessidade de rever a renovação de contratos imobiliários nessas localidades —que costumam ter longo prazo— ou até antecipar negociações por uma redução na duração desses negócios.
Mesmo o RH das empresas deve ser afetado pela Reforma. O pagamento de benefícios indiretos por meio dos chamados “fringe benefits” é ponto de atenção, que pode afetar políticas de remuneração. O fornecimento de bens (como imóveis ou automóveis) a diretores, por exemplo, para um uso pessoal —e não exclusivamente corporativo— poderá gerar efeitos tributários, como, por exemplo, o não aproveitamento de créditos na aquisição desses bens.
É certo, portanto, que a adequação à Reforma é um processo multidisciplinar no ambiente de uma empresa e um planejamento tributário adequado dependerá dessa integração entre diferentes áreas. Para quem não começou esse trabalho, é aconselhável que o faça imediatamente, afinal, camarão que dorme, a onda leva.
https://www1.folha.uol.com.br/blogs/que-imposto-e-esse/2025/07/a-adaptacao-ao-iva-para-alem-dos-departamentos-juridico-e-tributario.shtml