Por José Adriano
Empresas não se vendem quando querem — vendem quando estão prontas. Essa afirmação, que já norteia boa parte das discussões sobre M&A, ganha uma nova camada de urgência no atual cenário brasileiro: a Reforma Tributária. Na conversa com Pedro Fenati, partner da FC Partners, ficou claro que o futuro das fusões e aquisições passa, de forma decisiva, pela capacidade das empresas de entender e se preparar para os efeitos tributários que começam a se materializar nos próximos anos.
Fenati reforça algo que observo com frequência no mercado: muitas empresas se enxergam como potenciais vendedoras, mas poucas estão estruturadas para suportar uma due diligence séria — especialmente agora, quando o olhar tributário será mais rigoroso, técnico e determinante. Governança frágil, demonstrações financeiras imprecisas, concentração em poucos clientes e dependência excessiva do sócio fundador já eram obstáculos importantes. Com a Reforma, surgem novos vetores de risco: contingências fiscais subestimadas, benefícios que deixarão de existir, enquadramentos que se tornarão incompatíveis e estruturas societárias que precisarão ser revistas.
Nesse ambiente, o planejamento estratégico deixa de ser apenas uma bússola e se converte em salvaguarda. Ele alinha expectativas, define direção e reduz ruídos — mas, principalmente, orienta decisões tributárias com antecedência suficiente para evitar que passivos comprometam o valuation. Em alguns casos citados por Fenati, ajustes tributários bem feitos não só aumentaram o valor da empresa, como viabilizaram vendas que, sem essa reorganização, seriam impossíveis. No contexto da Reforma, esse efeito tende a se intensificar: créditos, regimes, localizações e modelos operacionais passarão por transição; quem não se preparar carregará contingências que compradores simplesmente não aceitam.
A nova tributação também impacta o timing das negociações. Setores que dependem de benefícios fiscais podem ver seu valuation reduzido nos próximos anos. Empresas que estão no limite da margem podem perder competitividade. Ativos antes estratégicos podem mudar de prioridade. Fenati foi direto: haverá oportunidades — e haverá perdas. E a janela para agir não será eterna. A Reforma cria um período de transição, mas não cria proteção para quem demorar a se adaptar. Há negócios que podem valer mais se vendidos agora — antes que a mudança regulatória destrua parte do valor.
O cenário externo reforça esse quadro. Em momentos de incerteza política, volatilidade internacional e transformação tributária interna, investidores — principalmente internacionais — se tornam mais seletivos. Procuram previsibilidade. Valorizam processos maduros. E evitam empresas que carregam riscos tributários não endereçados. No M&A, o risco percebido vale tanto quanto o número absoluto. E poucos riscos pesam tanto quanto o fiscal no Brasil pós-reforma.
Os setores mais aquecidos — tecnologia, saúde e educação — continuarão atraindo capital, mas agora sob uma lupa adicional: como cada player está se preparando tributariamente para o novo modelo? Onde estão os passivos latentes? Como a transição impacta margens, modelos de precificação e estrutura operacional? A competitividade não virá apenas de inovação e escala, mas de capacidade de navegar a complexidade tributária com lucidez e antecipação.
No fim, governança volta ao centro. Mas, desta vez, governança tributária se torna um capítulo obrigatório. Não basta “ter tudo organizado”. É preciso ter organizado sob as regras que vêm aí, não sob as que estão ficando para trás. Ser vendável nunca foi só intenção; sempre foi consequência. Agora, é consequência também da capacidade de entender que a Reforma Tributária não é um detalhe técnico — é um vetor estratégico que definirá o valor, a atratividade e até a sobrevivência de empresas nos próximos ciclos de M&A.
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