Por Monya Pinheiro
Em 1º de janeiro de 2026 terá início o “período teste” da reforma tributária do consumo no Brasil, promulgada pela Emenda Constitucional 132/2023 e regulamentada pela Lei Complementar 214/2025.
Ainda que em alíquotas reduzidas, haverá a apuração da Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) em relação aos fatos geradores ocorridos de 1º de janeiro a 31 de dezembro de 2026, para testes e ajustes. Somente os contribuintes que cumprirem integralmente as obrigações acessórias previstas na legislação tributária estarão dispensados de recolher os novos tributos já no próximo ano.
É bem verdade que os optantes pelo Simples Nacional sentirão mais as mudanças a partir de 2027. Mas desde já cabem alguns questionamentos: como ficam as empresas do Simples Nacional no contexto da Reforma Tributária? Por se tratar de um regime especial de tributação, estarão as microempresas e empresas de pequeno porte optantes do Simples alheias às profundas alterações do Sistema Tributário Nacional? A reforma tributária do consumo é a decretação do “fim” do Simples Nacional?
Nem tanto, nem tão pouco. A reforma tributária não acabou nem acabará com o Simples Nacional. No entanto, a LC 214/2025 promoveu mudanças relevantes na dinâmica do Simples, que exigirão não apenas adaptações dos contribuintes do regime, mas também análises estratégicas recorrentes de cada negócio para a manutenção da competitividade no mercado.
O artigo 179 da Constituição impõe à União, estados, Distrito Federal e municípios o tratamento jurídico diferenciado às microempresas e às empresas de pequeno porte, com o objetivo de incentivá-las pela simplificação, eliminação ou redução de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias. Em 2006, a Lei Complementar 123 deu concretude ao comando constitucional, instituindo o Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas microempresas e empresas de pequeno porte: o Simples Nacional.
Sob a perspectiva tributária, o Simples Nacional simplifica a apuração e a arrecadação de tributos federais (IRPJ, CSLL, PIS, Cofins, IPI, CPP), estadual (ICMS) e municipal (ISS), por meio de um único documento de arrecadação (DAS) gerado mensalmente no Programa Gerador do Documento de Arrecadação do Simples Nacional (PGDAS). O valor dos tributos devidos é estabelecido mediante a aplicação de uma alíquota, apurada de acordo com a atividade econômica do contribuinte e a faixa média da receita bruta dos 12 meses anteriores ao mês de referência. Do montante total recolhido, a própria LC 123/2006 já estabelece qual é o percentual correspondente a cada tributo.
Diferenças relevantes deverão ser analisadas cuidadosamente
A reforma tributária do consumo, ao estabelecer o “IVA Dual”, substitui o PIS e a Cofins pela CBS, e o ICMS e o ISS pelo IBS. Tratando-se de uma substituição de tributos que integram o documento único de arrecadação (DAS), a empresa optante pelo Simples Nacional será sim contribuinte de CBS e IBS.
O interessante é que as microempresas e empresas de pequeno porte enquadradas no Simples Nacional poderão escolher como recolherão CBS e IBS: pelo regime simplificado ou pelo regime regular. A prerrogativa de escolher entre regimes de apuração e recolhimento do IVA Dual é uma regra de exceção da LC 214/2025 e os optantes pelo Simples Nacional estão nela abrangidos (art. 41).
O contribuinte do Simples Nacional poderá recolher IBS e CBS pelo regime simplificado, isto é, no mesmo documento único de arrecadação (DAS) já utilizado atualmente. Nessa hipótese, o produto da arrecadação do DAS, que até então é parcialmente alocado para o PIS, a Cofins, ICMS e/ou ISS, será destinado ao CBS e ao IBS. Os percentuais de cada um dos novos tributos estão definidos na LC 214/2025, não tendo havido alteração na alíquota nominal do Simples Nacional.
Embora optante pelo Simples Nacional, também poderá a microempresa ou empresa de pequeno porte optar pelo regime regular de apuração e recolhimento do IBS e da CBS, hipótese em que se submeterá a todas as regras aplicáveis aos contribuintes ordinários do IVA Dual, inclusive à alíquota de referência – ainda incerta, mas que certamente superará os 26,5% inicialmente previstos.
Há duas diferenças relevantes entre os regimes simplificado e regular de IBS e CBS que deverão ser analisadas cuidadosamente pelos contribuintes do Simples Nacional.
A primeira delas é que a escolha pelo regime simplificado, a despeito de garantir uma facilidade administrativa/procedimental, impede o contribuinte de apurar créditos de IBS e CBS. O montante a recolher dos aludidos tributos será um valor fixo, de acordo com a alíquota prevista para a faixa de faturamento de cada anexo da LC 123/2006.
A opção pelo regime regular de apuração de IBS e CBS, apesar de impor ao contribuinte do Simples Nacional não apenas uma alíquota maior, mas sobretudo um controle e organização interna mais robusta, permitirá que esse mesmo contribuinte apure créditos de IBS e CBS em todas as operações anteriores de fornecimento de bens e serviços que realizar, o que pode reduzir – ou mesmo gerar crédito a receber – o saldo a pagar dos novos tributos sobre o consumo.
A segunda distinção, que talvez seja a mais relevante, também reside na possibilidade de apuração de créditos de IBS e CBS, mas em relação ao adquirente/cliente do contribuinte do Simples Nacional. O adquirente de produtos e serviços da microempresa ou empresa de pequeno porte optante pelo Simples Nacional e do regime simplificado de IBS e CBS somente poderá apurar os créditos sobre a operação no limite do percentual recolhido pelo fornecedor Simples Nacional.
Um exemplo hipotético facilita a visualização: uma empresa optante pelo Simples Nacional, enquadrada no Anexo I (comércio) da LC 123/2006, enquadrada na 1ª faixa de faturamento (até R$ 180 mil), recolhe mensalmente seus tributos via DAS numa alíquota de 4% (quatro por cento) sobre sua receita bruta, totalizando R$ 7.200. Atualmente, essa quantia é repartida da seguinte forma:
| Faixas | Percentual de Repartição dos Tributos | |||||
| IRPJ | CSLL | Cofins | PIS/Pasep | CPP | ICMS | |
| 1ª Faixa | 5,50% | 3,50% | 12,74% | 2,76% | 41,50% | 34,00% |
Em 2027, os mesmos R$ 7.200 serão repartidos considerando o IBS e a CBS:
| Faixas | Percentual de Repartição dos Tributos | |||||
| IRPJ | CSLL | CBS | CPP | ICMS | IBS | |
| 1ª Faixa | 5,50% | 3,50% | 15,33% | 41,50% | 34,00% | 0,17% |
Ou seja: o contribuinte do Simples Nacional que optou pelo regime simplificado de IBS e CBS somente recolheu 15,33% de CBS e 0,17% de IBS sobre R$ 7.200. É exatamente neste percentual/montante que o seu cliente, que adquiriu suas mercadorias, poderá se creditar de IBS e CBS para a apuração dos seus tributos devidos.
Essa limitação de tomada de créditos de IBS e CBS pelo adquirente de bens e serviços fornecidos pelo optante do Simples Nacional que escolheu o regime simplificado de IBS e CBS pode ser extremamente prejudicial à competitividade de mercado para as empresas do Simples. Não será incomum que pessoas jurídicas contribuintes regulares de IBS e CBS queiram realizar transações comerciais somente com outros contribuintes regulares do IVA Dual, justamente em razão do creditamento pleno do IBS e CBS nessas operações.
Isso porque a tomada de créditos de IBS e CBS numa transação com fornecedor contribuinte do regime simplificado contrasta drasticamente com o creditamento pleno que o tomador/cliente obteria ao transacionar com um fornecedor do regime regular de IBS e CBS, que se submete à alíquota de referência “cheia”.
Por essa razão, os contribuintes do Simples Nacional, ao realizarem semestralmente a opção pelo regime simplificado ou regular de apuração de IBS e CBS, terão de analisar dois pontos: (1) o volume de insumos de sua operação, uma vez que, caso adquiram muitos bens e serviços, poderá ser conveniente optar pelo regime regular para se creditar dos tributos; e (2) a sua posição na cadeia de fornecimento, já que, se seus principais clientes forem pessoas jurídicas do regime regular de IBS e CBS, certamente haverá uma preferência por fornecedores que viabilizem o creditamento pleno dos tributos sobre o consumo, o que não ocorre quando a microempresa ou empresa de pequeno porte opta pelo regime simplificado de IBS e CBS.
Para as empresas do Simples Nacional, é tempo de analisar detalhadamente sua operação, como a composição do preço do bem e/ou serviço fornecido ao mercado, as características de seus fornecedores e principais clientes. A avaliação estratégica, jurídica e contábil de todo o arranjo empresarial, e não apenas do valor constante no documento mensal de arrecadação de tributos, é o que orientará os contribuintes pela opção de regime que melhor se adequa às características de seu negócio.
https://www.conjur.com.br/2025-nov-14/quer-pagar-como-reforma-tributaria-e-simples-nacional
