Consolidar notas fiscais por município aumentaria obrigações acessórias, diz Marcos Flores

Por Bárbara Mengardo, Fernanda Valente

A consolidação de notas fiscais por município tem potencial de acabar com os pilares inovadores da reforma tributária, como os sistemas de split payment e cashback, além de aumentar o número de obrigações acessórias a serem preenchidas pelos contribuintes. A avaliação é do auditor fiscal Marcos Hübner Flores, gerente do projeto de implantação da reforma do consumo na Receita Federal, ao comentar dispositivo do PLP 108/24, segundo projeto que regulamenta a reforma.

“É impossível consolidar do jeito que é hoje [com a emissão de uma nota fiscal mensal]. A gente acabaria com cashback, com a ação de cidadania fiscal, com split payment atrelado ao documento fiscal, com débito e crédito, e depois até com pagamento. Acaba com os pilares da reforma”, afirmou durante o evento Diálogos Tributários, realizado na Casa JOTA, na última segunda-feira (10/11).

O texto do PLP 108 foi aprovado pelo Senado em setembro com uma alteração em relação à possibilidade de consolidação por município de notas fiscais, ou seja, de emissão de um documento abrangendo mais de uma operação.

Durante a votação, foi adicionado um dispositivo que define que a regulamentação do tema, a ser feita pela Receita e pelo Comitê Gestor, deverá prever a emissão, pelo fornecedor, de um único documento fiscal consolidado por município, relativo às operações que não gerem crédito ao adquirente. A versão anterior não especificava que a consolidação deveria ser feita por município.

Para Marcos Flores, a lei decorrente do PLP 108 prevê a obrigação acessória consolidada, mas isso não dialoga com os sistemas do split payment e cashback, por exemplo, e será necessário o cumprimento de outras obrigações. “A lei também manda dar cashback, então a Receita vai ter que cobrar a segunda informação das empresas”, disse.

Em sua opinião, trata-se de um “dispositivo alienígena” com grande potencial de ser reavaliado pela Câmara dos Deputados por não ser aderente à própria reforma. O texto voltou à Casa e será relatado pelo deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE), ainda sem data definida.

Logo depois do PLP 108, as expectativas se voltam para o Imposto Seletivo, cujas alíquotas precisam ser definidas em um projeto de lei ordinária. O auditor fiscal afirmou que uma série de estudos foram e continuam sendo feitos acerca do tema, inclusive com a participação da Receita Federal.

Cronograma para notas fiscais

A perspectiva da Receita Federal é de que todos os fatos geradores sejam declarados em documentos fiscais eletrônicos ainda no primeiro semestre, mas não necessariamente em janeiro de 2026.

Conforme o JOTA adiantou, os setores que não emitem nota deverão ficar fora dessa primeira fase da CBS. Flores entende que não é possível exigir de setores que não emitem a nota atualmente, já que muitos não sabem qual é o documento fiscal que terão de informar. É o caso de locação de imóveis e veículos.

“Para o contribuinte que têm nota técnica e está acostumado a utilizar a nota fiscal eletrônica, nota fiscal do consumidor, nota fiscal de serviço, não tem mistério. Já estará valendo em janeiro o destaque da CBS e de IBS”, explicou. Inclusive, desde o início da semana o contribuinte pode transmitir as notas com CBS e IBS de forma opcional em um ambiente de produção.

Ainda segundo Flores, alguns documentos fiscais têm nota técnica pronta, mas ainda não há data definida para entrar em vigor. Um exemplo é nota fiscal de água.

Financeiras, seguros, planos de saúde

Uma das preocupações se dá com relação à emissão das notas fiscais por setores para os quais é necessário outra metodologia para apurar a margem sobre a qual incidirá o tributo, ou seja, aqueles que não se adequam à mecânica tradicional de débito e crédito do IVA. Dentre os setores afetados estão o financeiro, de administração de consórcio, seguros, previdência, títulos de capitalização, planos de saúde e outros.

Para esse grupo foi criada a Declaração Eletrônica de Regimes Específicos (DERE), que será utilizada para a transmissão de dados da CBS e do IBS. O auditor fiscal afirmou que ela valerá a partir de 2026, mas ainda sem data definida, sendo possível que alguns módulos da declaração estejam prontos em janeiro.

Ainda de acordo com Flores, será possível adequar essa obrigação acessória, considerando que os contribuintes já estão acostumados a fazer o balanço mensal das operações para informar aos órgãos competentes, como ANS, Susep ou Banco Central, por exemplo.

“Dá para pegar esse balanço com pequenas adaptações, apurar o débito e, do outro lado, pedir uma declaração – operação por operação – e apurar o crédito. É por essa necessidade, como a mecânica é outra, que se criou a DERE dessa forma tão diferente”, afirmou o auditor, que aponta tratar-se de uma inovação da reforma tributária brasileira. Não há outros países com essa forma de inclusão dos serviços financeiros na cadeia não cumulativa do IVA.

Setor de saneamento

O setor de saneamento também aguarda um direcionamento sobre as notas. Flores afirmou que as administrações tributárias já têm o layout da nota fiscal de água, mas ainda não há definição de data de entrada em produção por questões do segmento, que tem diversas agências regulatórias estaduais e regras específicas.

Split payment

O ano de 2026 será dedicado  ao desenvolvimento do split payment, sistema que permitirá a segregação dos tributos no momento da liquidação financeira da operação. A implementação deve começar em 2027 de forma opcional e gradual.

“Não é intenção forçar ninguém. A gente entende que está todo mundo adaptando o sistema, inclusive nós, então não deve ter recolhimento agora”, afirmou o auditor fiscal.

Um dos focos de atenção é o desenho da plataforma governamental do split, onde o contribuinte vai consultar se tem ou não o crédito. Isso deve ser desenvolvido ao longo do próximo ano para que, em 2027, já esteja pronto para o recolhimento pelo adquirente.

A primeira etapa será aplicada nas transações entre empresas (B2B) para o recolhimento automático. A ideia é que essa fase seja facultativa, segundo Flores, porque “não sabe quais instituições financeiras estarão prontas para prestar esse serviço [aos seus clientes]”. Com isso, espera-se garantir tempo para os ajustes nos sistemas eletrônicos.

A partir do momento que for um padrão no mercado, o modelo passará a ser obrigatório para as operações B2B até que, por fim, seja expandido para vendas ao consumidor final (B2C). As datas para essas fases não estão definidas, considerando que dependerão da adaptação do mercado e das instituições financeiras.

Regulamentação da LC 214

Há menos de 60 dias para 2026, o ano de testes da reforma tributária, cresce a expectativa com a regulamentação infralegal da Lei Complementar 214, que traz as regras gerais do IBS e da CBS, além de tratar dos regimes diferenciados, das reduções de alíquota e do Imposto Seletivo. De acordo com Marcos Flores, a expectativa é de que o texto seja publicado em breve, considerando o prazo exíguo, e ainda será submetido a consulta pública.

https://www.jota.info/tributos/consolidar-notas-fiscais-por-municipio-aumentaria-obrigacoes-acessorias-diz-marcos-flores

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