Por Renato Lopes da Rocha
O Supremo Tribunal Federal (STF) foi novamente acionado para avaliar a constitucionalidade da contratação de trabalhador autônomo ou pessoa jurídica para a prestação de serviços no Tema 1.389. A Corte terá que decidir sobre a validade do regime de contratação envolvendo a prestação de serviços quando há alegação de que estariam presentes os requisitos para o reconhecimento de vínculo empregatício.
Sem adentrar em detalhes do caso concreto, o tema envolve a chamada pejotização dos serviços. É fundamental conhecer a origem do assunto para sua adequada compreensão, tendo em vista haver aparente conflito entre os direitos sociais dos trabalhadores e formas alternativas de contratação buscando eficiência e dinamismo nas relações econômicas.
Em 2017, a reforma trabalhista autorizou a terceirização de todas as atividades das empresas. Antes, porém, apenas as atividades-meio podiam ser executadas de forma terceirizada. A partir da reforma laboral, também puderam ser terceirizadas as atividades-fim, que são aquelas ligadas diretamente ao produto vendido ou ao serviço prestado, portanto, geradoras de receita.
Por ser a pejotização um subtipo de terceirização, não há qualquer espécie de ilicitude per se, salvo se a sua utilização tiver o único fim de reduzir os encargos previdenciários, posto que presentes os elementos que caracterizam a relação de emprego, como pessoalidade, onerosidade, habitualidade e subordinação.
As alterações da reforma trabalhista já foram levadas ao crivo do STF, que decidiu no Tema 725 sobre a licitude da terceirização de serviços para a consecução da atividade-fim da empresa. O STF firmou a tese de que “é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”.
Em que pese a aparente pacificação do tema, novos recursos batem às portas do STF, o que levou o decano, ministro Gilmar Mendes, a determinar a suspensão nacional de todos os processos que tratem das mesmas questões. Na decisão que determinou a suspensão nacional dos processos, o ministro Gilmar Mendes pontuou o descumprimento sistemático da orientação do STF pela Justiça do Trabalho como fonte de insegurança jurídica.
Mas qual é a relação da reforma tributária com a pejotização? É incontroverso que os encargos trabalhistas e previdenciários incidentes sobre a remuneração de empregados é tema central no debate econômico e no mercado de trabalho, pois, a depender da formatação da empresa empregadora, o custo de uma contratação celetista pode variar de 30% a até 100% do salário do empregado.
Esse elevado custo representa estímulo à informalidade, cria barreiras à contratação de novos empregados e onera pesadamente a atividade empresarial, impactando o valor final dos produtos e serviços e reduzindo a competitividade das empresas brasileiras no mercado internacional.
Há diversas pesquisas e estudos sobre o custo do trabalho no Brasil, a exemplo de trabalho publicado pela Escola de Economia da FGV de São Paulo e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que decompõe o custo como o resultado da combinação de encargos sociais, trabalhistas e alta rotatividade no mercado de trabalho. Foi nesse contexto que houve a aprovação da reforma trabalhista em 2017.
A reforma tributária, aprovada pela Emenda Constitucional (EC) nº 132/2023, e regulamentada, até o momento, pela Lei Complementar (LC) nº 214/2025, poderia ter contribuído para esse cenário de custo do trabalho e pejotização dos serviços.
Duas regras importantes da reforma tributária são a neutralidade do IVA Dual (IBS e CBS) e a não cumulatividade plena. O princípio da neutralidade diz que as decisões dos agentes econômicos não são dirigidas em razão de políticas tributárias, isto é, os tributos não deveriam interferir na estruturação dos negócios. Já a não cumulatividade plena permite o creditamento dos tributos recolhidos sobre a aquisição de insumos para afastar o denominado efeito cascata ao longo da cadeia de produção.
Andou mal o Parlamento ao regulamentar a reforma tributária, afastando o direito ao crédito de IBS e CBS sobre as despesas com salários e encargos sociais e previdenciários, sob o fundamento de que a relação empregatícia não está sujeita aos referidos tributos.
O fato de não haver incidência de IBS e CBS no fornecimento de serviços por pessoas físicas em decorrência de relação de emprego não justifica a vedação do direito ao crédito, na medida em que não há dúvidas de que se trata de insumo indispensável à atividade econômica, em especial na prestação de serviços, sendo certo que a República Federativa do Brasil tem como um de seus fundamentos o valor social do trabalho.
Para preservar os direitos sociais, deveria o Parlamento ter assegurado condições mais equânimes aos trabalhadores, conferindo ao empregador crédito de IBS e CBS sobre as despesas com salários e encargos sociais e previdenciários, alçando a relação empregatícia para patamar de maior competitividade frente ao fenômeno da pejotização, que permitirá crédito tributário aos contratantes dessa modalidade de serviço.
Ainda há muito o que se fazer em termos de regulamentação da reforma tributária, razão pela qual o Parlamento não deve se ater a dogmas jurídicos, pressões arrecadatórias e visões tecnocratas que não reflitam a realidade econômica.
https://valor.globo.com/legislacao/coluna/pejotizacao-dos-servicos-e-a-reforma-tributaria.ghtml
