O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), incluiu na pauta da próxima semana a votação do pedido de urgência do projeto de lei complementar (PLP 125/2022) que cria o Código de Defesa do Contribuinte e define regras rígidas contra o devedor contumaz, aquele que faz da inadimplência tributária um modelo permanente de negócio.
Aprovado pelo Senado em setembro, o texto é visto como uma das mais amplas reformas de governança tributária desde a Constituição de 1988. A proposta poderá ser votada diretamente pelo Plenário caso a urgência seja aprovada, dispensando análise nas comissões. A aprovação do projeto se alinha aos esforços do governo para aumentar a arrecadação e reequilibrar as contas públicas.
Relator da proposta no Senado, o senador Efraim Filho (União-PB), estima que o país perde R$ 30 bilhões por ano com empresas que sonegam ou deixam de pagar tributos de forma sistemática. O texto foi aprovado pelos senadores e tramita na Câmara desde o dia 26 de setembro.
Veja o projeto em discussão na Câmara.
“O devedor contumaz não é um contribuinte comum. Ele abre a empresa para não pagar tributo e obter vantagem em cima de quem gera riqueza para o país”, afirmou o secretário da Receita Federal, Robson Barreirinhas, na última terça-feira (21), durante o lançamento do manifesto em defesa da proposta assinado por oito frentes parlamentares. Entre elas, a da Agropecuária, a da Indústria, Comércio e Serviços, a do Empreendedorismo e a do Brasil Competitivo.
O que é o Código de Defesa do Contribuinte
O PLP 125/2022 cria um marco legal unificado sobre direitos, garantias, deveres e procedimentos aplicáveis à relação entre os contribuintes e as administrações tributárias de todos os entes federativos – União, estados, Distrito Federal e municípios.
O Código estabelece princípios fundamentais como:
- Segurança jurídica e boa-fé na aplicação da legislação tributária;
- Previsibilidade e proporcionalidade nas ações do fisco;
- Redução da litigiosidade, com estímulo a soluções cooperativas de conflito;
- Transparência e participação dos contribuintes na formulação de normas fiscais;
- Respeito ao contraditório e à ampla defesa em todo o processo administrativo.
A administração tributária, segundo o texto, deverá priorizar a educação fiscal, a autorregularização e o diálogo com o contribuinte antes da autuação. O projeto também impõe responsabilidade civil, penal e administrativa a autoridades fiscais que ajam com dolo, má-fé ou abuso de poder.
Direitos e deveres do contribuinte
O projeto garante aos contribuintes direitos como:
- Comunicação clara e compreensível sobre tributos e procedimentos;
- Acesso aos próprios dados fiscais, com possibilidade de correção;
- Prazo razoável para decisão de processos administrativos;
- Acompanhamento por advogado durante fiscalizações;
- Vedação a cobranças antecipadas ou condicionamento do exercício de direitos ao pagamento prévio de tributos.
Em contrapartida, o contribuinte deverá agir com boa-fé e cooperação, declarar corretamente suas operações, manter documentação organizada e cumprir integralmente suas obrigações tributárias.
O devedor contumaz e as penalidades previstas
Um dos pilares do projeto é a criação de critérios objetivos para identificar o devedor contumaz, definido como o contribuinte cuja inadimplência é substancial, reiterada e injustificada.
Será considerado devedor contumaz quem:
- Possuir débitos tributários irregulares iguais ou superiores a R$ 15 milhões e equivalentes a mais de 100% do patrimônio conhecido da empresa;
- Mantiver dívidas por quatro períodos de apuração consecutivos ou seis alternados em 12 meses;
- Não apresentar justificativas válidas, como prejuízo comprovado, calamidade pública ou outros fatores objetivos.
O processo de caracterização garante notificação prévia, direito de defesa e prazo de 30 dias para regularização ou contestação. Caso não haja manifestação, o contribuinte é declarado revel e formalmente considerado devedor contumaz.
Entre as sanções previstas, estão:
- Perda de benefícios fiscais, inclusive remissão e anistia;
- Proibição de participar de licitações públicas ou celebrar contratos com a administração;
- Impedimento de obter novas autorizações, concessões e licenças;
- Vedação à recuperação judicial, que poderá ser convertida em falência a pedido da Fazenda Pública;
- Declaração de inaptidão do CNPJ enquanto persistirem as irregularidades.
O texto também prevê a publicação dos nomes dos devedores contumazes nos sites da Receita Federal e das administrações tributárias estaduais e municipais.
Incentivos à conformidade e ao bom pagador
Paralelamente à punição dos inadimplentes contumazes, o PLP 125/2022 cria programas de conformidade tributária e aduaneira que premiam o bom contribuinte e estimulam o cumprimento voluntário das obrigações fiscais.
Os principais são:
Confia (Programa de Conformidade Cooperativa Fiscal)
Voltado para grandes empresas, busca criar um relacionamento cooperativo e transparente entre o fisco e o contribuinte. As empresas que aderirem poderão:
- ter canais de comunicação diretos e personalizados com a Receita;
- contar com análise prioritária de processos e redução de multas;
- apresentar planos de regularização antes da autuação;
- obter segurança jurídica em temas tributários sensíveis.
Sintonia (Programa de Estímulo à Conformidade Tributária)
Voltado a empresas de médio e pequeno porte, cria um sistema de classificação de conformidade com base na regularidade cadastral e no cumprimento das obrigações.
Os contribuintes mais bem avaliados poderão ter redução de multas em até 70% e parcelamentos mais longos, de até 120 meses.
Programa OEA (Operador Econômico Autorizado)
Destinado ao comércio exterior, reconhece empresas que mantêm padrões elevados de segurança e conformidade aduaneira. Permite desembaraço mais rápido, diferimento de tributos na importação e redução da fiscalização física.
As empresas que aderirem aos programas receberão Selos de Conformidade (Confia, Sintonia ou OEA), válidos por até quatro anos, que garantem benefícios adicionais, como:
- bônus de adimplência fiscal de até 3% na CSLL;
- preferência em licitações;
- prioridade no atendimento e na análise de pedidos;
- dispensa de arrolamento de bens.
Outras medidas do projeto
O PLP também altera diversas leis federais para reforçar a punição aos devedores contumazes:
- Modifica o Código Penal para impedir a extinção de punibilidade em crimes tributários cometidos por devedores contumazes;
- Altera a Lei do Cadin (Lei nº 10.522/2002) para incluir automaticamente os devedores contumazes no cadastro nacional de inadimplentes;
- Exclui esses contribuintes de benefícios como parcelamentos especiais, programas de refinanciamento e recuperação judicial;
- Estabelece que União, estados e municípios terão até um ano para adaptar suas legislações às novas regras.
Impacto esperado
Com a nova legislação, o governo e o Congresso esperam restringir práticas de sonegação estruturada e fortalecer o equilíbrio competitivo entre empresas.
Estudos da Frente Nacional das Prefeitas e dos Prefeitos (FNP) e da Receita Federal indicam que 1.200 CNPJs concentram mais de R$ 200 bilhões em dívidas tributárias recorrentes, muitas delas ligadas a fraudes, laranjas e empresas de fachada.
O projeto também busca reduzir o contencioso tributário, que hoje soma mais de R$ 5 trilhões em litígios, e estimular um modelo de cooperação fiscal moderna, em linha com práticas adotadas na União Europeia e na OCDE.
https://www.congressoemfoco.com.br/noticia/113277/camara-tenta-votar-com-urgencia-projeto-que-pune-devedor-contumaz
