Por Marta Sfredo
Com a aprovação do projeto que regulamenta o Comitê Gestor do IBS 108/2024 no Senado, a tramitação da reforma tributária do consumo está quase resolvida. Agora, a preocupação é com a aplicação do cronograma, que começa no próximo ano e vai até 2032.
Com sua criatura quase entregue à sociedade, o secretário especial da Reforma Tributária, Bernard Appy, diz que a “espinha dorsal” foi mantida. Também admite “certa judicialização”, mas diz que tudo foi feito para reduzir esse risco.
Appy era esperado em Porto Alegre nesta semana, no 26º Congresso Brasileiro de Economia, mas teve de ficar em Brasília por sobreposição de agendas, que exigiu priorizar o trabalho.
A reforma tributária sobre o consumo é a ideal?
Não é a ideal, é a politicamente possível. Mas, comparando com o sistema atual, é um avanço muito relevante. A espinha dorsal foi totalmente preservada nos detalhes. Há aspectos que não são os ideais do ponto de vista técnico, mas foram necessários para poder viabilizar politicamente a aprovação.
A ideia era substituir cinco impostos por um só, por que foi preciso mais?
Na verdade, IBS e CBS têm a mesma legislação, então, ainda que sejam dois tributos do ponto de vista formal, na prática, para os contribuintes é como se fosse um único. Além disso, tem o Imposto Seletivo e vai sobrar o IPI para poucos produtos.
A estimativa é que, de 4 mil produtos com alíquota de IPI positiva, fique para cerca de 300 produtos. E embora o número de tributos apareça no debate político, muito mais importante que o número é a qualidade dos tributos.
Estamos substituindo cinco tributos de péssima qualidade por um sistema muito mais transparente, com legislação muito mais simples e um Imposto Seletivo muito mais transparente enquanto instrumento de indução de consumo mais sustentável, do ponto de vista da saúde e do meio ambiente.
O bom sistema é o que traz a complexidade para dentro do governo, para que a experiência dos contribuintes seja a mais simples possível.
Vai ser mesmo possível simplificar? Quando se diz que a plataforma será 150 vezes maior do que a do Pix, não se sabe se há superfacilidade ou supercomplexidade.
O bom sistema é o que traz a complexidade para dentro do governo, para que a experiência dos contribuintes seja a mais simples possível.
Quando mostramos o sistema de apuração que está sendo estruturado, o fluxograma do que tem por trás é extremamente complexo, mas isso está para dentro do governo. Ao mostrar qual vai ser a experiência para o contribuinte, é extremamente simples.
Em termos de volume de transação, não é muito maior que o Pix, mas em volume de informações é, porque cada operação tem muitos detalhes.
Em 2026, começa uma fase-teste, está tudo pronto?
Não, na verdade, não. E a gente já sabia disso, porque 2026 é um ano de teste. Uma parte dos sistemas vai estar disponível no início do ano e outra vai ser disponibilizada ao longo do próximo ano, com tempo para que os contribuintes se adequem ao novo sistema.
Nunca foi o objetivo ter todos os sistemas prontos em 1º de janeiro de 2026. Haverá muito bom senso nesse período, para só exigir quando todos tenham se adaptado.
Para quem será obrigatório recolher IBS e CBS a partir de 2026?
A Lei Complementar 214 diz que não será cobrado IBS-CBS de quem cumprir obrigações acessórias. Agora, vamos definir como cumprimento de obrigações acessórias aquilo que será razoável exigir dos contribuintes, dando um tempo para se ajustarem.
Em alguns setores em que os documentos fiscais eletrônicos são novos, por exemplo, serviços financeiros, operações com bens imóveis, o sistema não vai estar totalmente implementado no início de 2026.
Mas só vai ser exigido quando os sistemas tiverem sido implementados e tiver dado tempo para os contribuintes se adequar. Haverá muito bom senso nesse período, para só exigir quando todos tenham se adaptado.
Para quem não deu tempo, serão exigidas obrigações acessórias muito simples, como estar com o cadastro atualizado — algo muito simbólico, só para poder cumprir o que está na lei.
Houve polêmica sobre a incidência de ICMS sobre o CBS e IBS, foi resolvida?
Esse é um tema que surgiu no debate jurídico. O texto, durante uma parte da tramitação do texto da PEC 45 no Congresso Nacional, tinha a previsão de que o IBS e a CBS não integrariam a base de cálculo do ICMS e do ISS.
Depois, isso foi excluído pelo Congresso. Como não está explícito, advogados interpretam que não integrariam.
A interpretação do setor público é de que integram, até porque o objetivo da reforma tributária é manter a carga atual. Talvez o ideal fosse fazer um ajuste na emenda constitucional, para deixar isso claro, mas se isso não ocorrer, terá de ser pacificado pelo Judiciário.
Há temor de judicialização da reforma?
Não, a ideia é fazer as normas o mais claras possíveis para que haja o mínimo de questionamento. Alguma judicialização é inevitável, até porque o Brasil é um país que tem propensão a judicializar matérias tributárias.
Talvez no início haja dúvidas, mas a ideia é, ao longo de 2026, ir respondendo soluções de consulta para tentar deixar tudo o mais claro possível para os contribuintes. A ideia é trabalhar para que haja o mínimo possível de judicialização.
O alívio da tributação na indústria com aumento no comércio pode se equilibrar?
Não há aumento da tributação no comércio. O comércio vende bens, que já têm alíquotas mais altas hoje, inclusive mais altas do que as que vão resultar da reforma tributária.
Hoje se usa muito a substituição tributária, que não existe na reforma. O imposto devido que hoje é cobrado na indústria passará a ser cobrado sobre o valor adicionado pelo comércio, como é feito em todos os países.
Mas o valor adicionado pelo comércio já está sendo tributado por uma alíquota muito mais alta do que a que resultará da reforma tributária.
Estamos dando transparência para as pessoas saberem quanto pagam de tributos, porque hoje pagam uma alíquota altíssima e não sabem.
Aliás, já está definida?
Não, a alíquota é aquela que mantém a carga tributária. Tem estimativas, mas não tem a definição. Será apresentada nos prazos previstos na lei complementar.
A da CBS, que é a primeira, será no final de 2026. Estamos seguindo os prazos previstos na lei complementar. Mas há um trabalho sendo feito pela Receita, com acompanhamento do TCU.
Tem preocupação de não ser a maior do mundo?
A maior alíquota sobre o valor adicional do mundo é a que temos hoje no Brasil. É importante entender isso.
Em São Paulo, que tem ICMS médio de 18%, é de 34,4%. No Rio Grande do Sul, em que a modal é de 17%, deve ser um pouco menor, perto de 33%.
É muito mais alto do que a alíquota projetada para a soma de IBS e CDS (ao redor de 27,5%).
Estamos dando transparência para as pessoas saberem quanto pagam de tributos, porque hoje pagam alíquota altíssima e não sabem.
O split payment é um mistério para muitos, e os que sabem o que é temem que não funcione bem. É possível tranquilizar os dois públicos?
O split payment (separação automática do valor da CBS e do IBS no momento da transação) vai ser implantado de forma muito cautelosa.
Deve iniciar de forma opcional, apenas para as operações entre empresas, o que a gente chama de B2B, em que o adquirente tem direito a crédito. E vai ser estendido de forma progressiva, mas o desenho de como vai funcionar já está muito avançado.
Está sendo montado inclusive com a interlocução com os contribuintes, com as empresas de softwares e com o sistema financeiro. Esse forte diálogo é necessário para que funcione de forma adequada quando entrar em vigor.
A condução política da reforma do imposto de renda não é da competência da minha secretaria. Mas a diretriz das mudanças é a mesma. É ter no Brasil um sistema tributário mais justo e mais eficiente.
A isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil é vista como o primeiro passo da reforma do imposto sobre a renda. O que vem a seguir?
Todas as mudanças na tributação, tanto as do consumo quanto as de renda que estão sendo conduzidas pela atual equipe do Ministério da Fazenda, buscam tornar o sistema tributário brasileiro mais justo e mais eficiente.
A do consumo tem impacto maior na eficiência e também algum em justiça distributiva e da justiça federativa. A de renda tem impacto maior na justiça distributiva e também na eficiência econômica.
Especificamente, a condução política da reforma do imposto de renda não é da competência da minha secretaria. Nossa participação é mais técnica interna dentro do ministério.
Mas a diretriz das mudanças é a mesma: ter no Brasil um sistema tributário mais justo e mais eficiente.
Tributaristas dizem que a compensação da isenção pode não ser suficiente porque a alta renda vai buscar proteção e fazer planejamento tributário. Há esse risco?
Todo o trabalho está sendo feito para o projeto ser equilibrado.
Os tributaristas também falavam que a tributação de fundos fechados e offshore não ia alcançar nada, e está arrecadando dentro do que vinha sendo projetado.
Não tem razão para achar que, neste caso, a projeção estará equivocada.