Por Vanderlei Piala Moskviak
O sistema tributário brasileiro é frequentemente apontado como um dos mais complexos do mundo, marcado por elevada carga tributária, múltiplos tributos sobre o consumo e sobreposição de competências entre União, Estados e Municípios. Essa realidade gera custos administrativos elevados, insegurança jurídica e dificuldades para o ambiente de negócios.
Nesse contexto, a Reforma Tributária emerge como um dos temas centrais do debate político e econômico, com o objetivo de simplificar a estrutura de impostos, aumentar a eficiência arrecadatória e reduzir desigualdades sociais e regionais.
Um dos pontos mais sensíveis desse debate é o impacto da reforma sobre o Simples Nacional, regime especial que reúne mais de 11 milhões de micro e pequenas empresas. Esse regime é responsável por grande parte da geração de empregos no país e por isso ocupa papel estratégico na economia.
Contexto histórico da Reforma Tributária
Desde a Constituição de 1988, diferentes propostas buscaram reformar o sistema tributário brasileiro. No entanto, a complexidade federativa e os interesses divergentes entre Entes federados e setores econômicos sempre dificultaram avanços. A multiplicidade de tributos sobre o consumo (ICMS, ISS, PIS, Cofins e IPI) é apontada como um dos principais entraves ao crescimento econômico, provocando cumulatividade guerra fiscal e burocracia.
As propostas mais recentes, materializadas na PEC 45/2019 e na PEC 110/2019, convergem na substituição desses tributos por um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), inspirados no modelo internacional do IVA. A ideia é simplificar a tributação sobre o consumo, torná-la não cumulativa e adotar o princípio da tributação no destino.
O Simples Nacional antes da Reforma Tributária
Instituído pela Lei Complementar 123/2006, o Simples Nacional unificou tributos federais, estaduais e municipais em uma única guia (DAS), reduzindo a burocracia para pequenos negócios. Sua principal vantagem é a simplificação do recolhimento, proporcional ao faturamento da empresa.
Entretanto, há limitações, uma vez que as empresas que compram de fornecedores optantes pelo Simples não podem aproveitar créditos de ICMS ou ISS, o que muitas vezes reduz a competitividade das micro e pequenas empresas em relação a fornecedores do regime normal.
O Simples Nacional pós-Reforma: adaptação e novas possibilidades
A principal notícia para os mais de 11 milhões de micro e pequenas empresas amparadas pelo Simples Nacional é que o regime foi mantido pela Emenda Constitucional 132/2023 e regulamentado pela Lei Complementar 214/2025. Isso significa que a unificação de tributos federais, estaduais e municipais em uma única guia (DAS) continuará sendo uma realidade, preservando a praticidade e a redução da carga burocrática que caracterizam o regime.
No entanto, a reforma introduz a obrigatoriedade da adaptação do Simples Nacional aos novos tributos sobre o consumo: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência estadual e municipal, e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal. A regulamentação desses novos tributos, que compõem o IVA Dual, traz novas dinâmicas para o Simples Nacional:
– opção pelo regime híbrido: uma das maiores novidades é a possibilidade de as empresas optantes pelo Simples Nacional escolherem entre recolher o IBS e a CBS de forma unificada dentro do DAS, como ocorre atualmente, ou optar por recolhê-los “por fora” do Simples Nacional, adotando a sistemática regular de débito e crédito desses tributos. Essa decisão estratégica poderá impactar a competitividade, especialmente em operações B2B (business-to-business), onde a capacidade de oferecer créditos tributários se torna um diferencial;
– geração de créditos (limitados): para as empresas que permanecerem no Simples Nacional com o recolhimento unificado, haverá a possibilidade de geração de créditos de IBS e CBS. No entanto, esses créditos serão limitados ao valor efetivamente pago na alíquota do Simples Nacional. Isso significa que, embora o comprador possa aproveitar um crédito, ele pode não ser integral, o que ainda diferencia essas operações das realizadas com empresas no regime geral de tributação;
– adaptação do MEI: o Microempreendedor Individual (MEI) também sentirá os efeitos da reforma, com possíveis ajustes em seus limites de faturamento e na forma de recolhimento de tributos. Embora o MEI não seja contribuinte direto do IBS e da CBS, as mudanças podem afetar suas relações comerciais. A inclusão de novas categorias, como o “nanoempreendedor”, busca ampliar a formalização.
Impactos e adaptações necessárias
A transição para o novo sistema tributário é gradual, com diversas fases de implementação ocorrendo entre 2026 e 2032, culminando na vigência plena em 2033. Durante esse período, os tributos antigos coexistirão com os novos, exigindo um acompanhamento constante por parte das empresas.
Os impactos esperados e as adaptações necessárias incluem:
– competitividade: empresas que optarem pelo recolhimento de IBS e CBS “por fora” do Simples Nacional poderão ter uma vantagem competitiva ao oferecer créditos tributários integrais. Isso exigirá uma análise cuidadosa do modelo de negócio e da cadeia produtiva para determinar a melhor estratégia;
– precificação: a reformulação da tributação sobre o consumo pode demandar uma reavaliação das estratégias de precificação de produtos e serviços, considerando as novas alíquotas e a possibilidade de recuperação de créditos;
– planejamento tributário: a escolha entre o regime unificado dentro do Simples Nacional ou a tributação separada de IBS/CBS exigirá um planejamento tributário estratégico, com o apoio de contadores especializados, para otimizar a carga tributária e manter a competitividade;
– obrigações acessórias: empresas que optarem pela tributação “por fora” de IBS e CBS terão que lidar com novas obrigações acessórias, como a emissão de notas fiscais com destaque dos novos tributos e o acompanhamento mais detalhado de créditos e débitos.
Comparativo do Simples Nacional: antes e depois da Reforma Tributária
Logo abaixo temos a tabela resumida dos pontos principais antes e depois da Reforma Tributaria para o Simples Nacional:
Aspecto | Antes da Reforma Tributária | Depois da Reforma Tributária |
Existência do regime | Consolidado desde 2006. | Mantido pela Constituição. |
Forma de pagamento | Guia única (DAS). | Continua guia única. |
Créditos tributários | Compradores não aproveitam créditos. | Compradores terão direito a créditos de IBS/CBS. |
Competitividade | Menor competitividade em relação a grandes fornecedores. | Maior integração na cadeia produtiva. |
Transição | Sistema atual. | Mudanças graduais até 2032. |
Conclusão
A Reforma Tributária representa uma oportunidade histórica de modernização do sistema brasileiro, simplificando tributos, reduzindo distorções e promovendo maior justiça social. Para as micro e pequenas empresas, o Simples Nacional permanece como instrumento central de inclusão econômica e formalização.
Mais do que preservado, o Simples tende a ser fortalecido, já que passa a gerar créditos tributários para seus clientes, tornando-se mais atrativo no mercado.
Embora o regime simplificado e unificado seja mantido, as empresas devem estar atentas às opções de tributação e aos impactos na sua competitividade. A flexibilidade, a análise de custos e benefícios e o planejamento estratégico serão cruciais para que as micro e pequenas empresas continuem a prosperar e a contribuir para o desenvolvimento econômico do país sob as novas regras.
Referências
BRASIL. Lei Complementar 123, de 14 de dezembro de 2006. Institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte; regulamenta os dispositivos constitucionais referentes ao tema; e revoga dispositivos de leis anteriores. Brasília, DF, 2006. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp123.htm. Acesso em: 8 set. 2025.
BRASIL. Emenda Constitucional 132, de 20 de dezembro de 2023. Altera o Sistema Tributário Nacional. Brasília, DF, 2023. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc132.htm. Acesso em: 8 set. 2025.
BRASIL. Lei Complementar 214, de 16 de janeiro de 2025. Institui o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto Seletivo (IS); cria o Comitê Gestor do IBS e altera a legislação tributária. Brasília, DF, 2025. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp214.htm. Acesso em: 8 set. 2025.
SÃO PAULO, Fecomércio SP. Reforma Tributária: empresas do Simples poderão optar pelo regime regular duas vezes ao ano. Publicado em 12 de dezembro de 2024. Disponível em: https://www.fecomercio.com.br/noticia/reforma-tributaria-empresas-do-simples-poderao-optar-pelo-regime-regular-duas-vezes-ao-ano. Acesso em: 7 set. 2025.
SEBRAE. Reforma Tributária: entenda como ela afeta o seu negócio. Publicado em 08 de agosto de 2025. Disponível em: https://sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ufs/al/artigos/reforma-tributaria-entenda-como-ela-afeta-o-seu-negocio,aeec64c98e588910VgnVCM1000001b00320aRCRD?gad_source=1&gad_campaignid=22830544267&gbraid=0AAAAA-Vym8cJB2inA0sPdCQYJZBSsEyBP&gclid=CjwKCAjw_fnFBhB0EiwAH_MfZp2dCmLcEfij2fxzPU7GnJ5t7WY4db20p6jO329c8JtZBZ3gdurCmhoC9LoQAvD_BwE. Acesso em: 8 set. 2025.
* Fiscal de Tributos e Postura do Município de União da Vitória/PR, bacharel em Ciências Contábeis (Uniuv), especialista em Administração Financeira, Contábil e Controladoria (Uniuv), especialista em Gestão Pública (Unicentro) e especialista em Auditoria e Perícia Contábil (Unifael), cursando bacharel em Administração Pública (Unicentro), membro dos Grupos de Trabalho do Simples Nacional (GT 9), Regimes Tributários – IBS/CBS (GT 11) e Tributação sobre o Consumo (GT 2) da Confederação Nacional de Municípios (CNM) e perito judicial.
https://reformatributaria.cnm.org.br/reforma-tributaria-no-brasil-e-o-futuro-do-simples-nacional