Os contratos de rateio de custos na reforma tributária

Por Pedro Henrique Machado Federico

Em cenários econômicos desafiadores, as entidades corporativas buscam instrumentos que aumentem a sua eficiência administrativa, financeira e fiscal. Os cost sharing agreements (CSA), ou contratos de rateio de custos, há muito têm sido um meio adequado para que grupos econômicos nacionais e multinacionais avancem nesta frente, ao viabilizar a concentração de custos em uma única entidade, que é reembolsada pelas demais entidades do grupo participantes do acordo. Contudo, a neutralidade e simplicidade fiscal desses instrumentos – essenciais à sua viabilidade -, estão ameaçadas pela reforma tributária, o que poderá implicar encarecimento do modelo.

Esses contratos têm como objetivo a reunião de recursos humanos e materiais para compartilhamento de utilidades. Não há remuneração ou margem de lucro, de modo que a entidade centralizadora das despesas não aufere qualquer acréscimo patrimonial ou riqueza nova quando é reembolsada. Há mero acerto de contas ou recomposição patrimonial. Tratam-se, portanto, de negócios jurídicos não onerosos, que não possuem atributos próprios de operações de mercado, diferenciando-os da prestação de serviços, a qual é remunerada por preço.

Ao longo dos anos, a Receita Federal reconheceu a validade desses instrumentos, firmando requisitos que, se cumpridos, afastam a incidência de Imposto de Renda, CSLL, PIS ou Cofins sobre os reembolsos recebidos pela entidade centralizadora, e garantem à todas as contratantes o direito à dedução ou creditamento das respectivas despesas, na proporção que lhes coube de acordo com o critério de rateio previamente ajustado.

A jurisprudência, por outro lado, permaneceu dividida por entendimentos opostos, ora afirmando que tais reembolsos devem ser tributados, inclusive pelo ISS, bem como que as entidades contratantes descentralizadas não podem deduzir ou creditar-se das despesas que reembolsaram; ora concluindo pela impossibilidade da tributação, reconhecendo ainda que as entidades podem deduzir ou creditar-se das despesas de forma individualizada e proporcionalmente.

Com efeito, na reforma tributária, a Lei Complementar nº 214/25 instituiu o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), estabelecendo critério material que alcançará não somente as operações onerosas, mas também as não onerosas expressamente previstas em lei. Dentre as operações não onerosas sujeitas à tributação, estão expressamente previstas aquelas realizadas entre partes relacionadas.

De fato, os CSA são negócios jurídicos, de modo que as atividades sob ele praticadas constituem operações, realizadas entre partes relacionadas, que não podem ser caracterizadas como operações onerosas. Considerando, ainda, que centralizam atividades-meio, as quais em regra envolvem emprego de esforço humano – departamentos backoffice, que são colocados à disposição das contratantes, ou a disponibilização de bem imaterial, como softwares, por meio de gastos próprios incorridos pela entidade-mãe -, pode-se afirmar que há fornecimento, subsumindo-se à regra-matriz de incidência do IBS/CBS.

Excepcionam-se os casos em que a despesa centralizada se refere à contratação de um terceiro, pois a entidade-mãe atuará como mera intermediadora, que realiza o pagamento a conta e ordem de outrem. Contudo, mesmo inexistindo fornecimento pela entidade-mãe em tal cenário, os reembolsos ainda assim deverão ser incluídos na base de cálculo desses tributos, pois a sua exclusão, nos termos atuais da LC nº 214/25, depende da emissão da documentação fiscal pelo terceiro fornecedor em nome do adquirente por conta e ordem de quem se realiza o pagamento – ou seja, em nome de cada uma das entidades descentralizadas, o que descaracterizaria o próprio mecanismo de centralização característico destes contratos.

A tributação dos reembolsos no âmbito dos CSA, na reforma tributária, é agravada em razão da ausência de neutralidade. Assim como entende a Receita Federal em relação ao PIS/Cofins, para fins de creditamento de IBS/CBS na operação centralizada, cada contratante – inclusive a entidade-mãe – tem o direito de apurar créditos proporcionais ao seu próprio benefício, de acordo com o critério de rateio do CSA, limitado ao montante do tributo efetivamente recolhido, desde que também tenha assumido proporcionalmente o ônus financeiro da tributação. Esse é o entendimento mais adequado à luz da significação do termo “adquirente” prescrita pela lei complementar, que é o sujeito detentor do direito a crédito.

Daí exsurgem problemas para a entidade-centralizadora, que possivelmente não terá crédito suficiente para a neutralização da tributação dos reembolsos que perceberá, implicando em prejuízo ao seu fluxo de caixa e no encarecimento geral do modelo de cost sharing.

A tributação dos reembolsos demandará, ainda, a emissão de notas fiscais para acobertá-los – requisito para apuração de créditos de IBS/CBS, inclusive -, antes apenas objeto de notas de débito, atraindo a necessidade de reorganização operacional e risco de exigência do ISS por entes municipais durante o período de transição.

O aumento da carga tributária sobre essas operações e a insegurança a nível operacional exigem, dos grupos econômicos, estudos dos impactos ao orçamento e da eventual necessidade de remodelagem dos contratos vigentes, para além de adequações de compliance fiscal.

Com efeito, o desincentivo à centralização de custos e despesas prejudica a eficiência empresarial e influencia negativamente as decisões de agentes econômicos, o que ofende diretamente o princípio constitucional da neutralidade, outrora – e ainda hoje -, um pressuposto de validade da reforma tributária.

https://valor.globo.com/legislacao/coluna/os-contratos-de-rateio-de-custos-na-reforma-tributaria.ghtml

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