Tributária vai a voto, e novela continua

Por Lu Aiko Otta

O plenário do Senado deve votar nesta quarta-feira (24) o projeto de lei complementar que trata da parte administrativa da reforma tributária. Não é o último capítulo da novela. Há mais emoções reservadas para este ano. E faltam 98 dias para o início da fase de testes do novo sistema de taxação sobre o consumo no Brasil.

O texto a ser analisado pelos senadores tenta definir, finalmente, as regras para a representação dos municípios no Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (CGIBS), estrutura central do novo sistema.

“Olha, nada me deu mais trabalho neste relatório, que é extremamente técnico, como vocês estão vendo, do que a composição entre Confederação Nacional dos Municípios e a Frente Nacional de Prefeitos”, desabafou o senador Eduardo Braga (MDB-AM), relator da matéria, na reunião da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) que aprovou o texto na semana passada. “Olha, é um exercício quase desumano de busca de consenso.”

A Emenda Constitucional 132, que institui o novo sistema tributário sobre o consumo, diz que os 27 representantes de prefeituras que integrarão o CGIBS serão escolhidos em dois grupos: 14 em votos simples dos municípios e 13 em votos proporcionais à população.

A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) pretendia apresentar chapas aos dois grupos. A Frente Nacional de Prefeitos e Prefeitas (FNP) insistia haver um acordo pelo qual teria direito a 13 vagas, enquanto a CNM, a 14.

No relatório, Braga tenta uma conciliação ao estabelecer que cada entidade deve obter apoios para apresentar pelo menos duas chapas para cada grupo. Não preenchendo os critérios, a outra associação pode apresentar candidaturas. Essa regra vale a partir de 2026.

Para este ano, ficou estabelecido que o CGIBS terá uma composição provisória, para a qual a CNM indicará 14 componentes, e a FNP, 13.

“Os parlamentares da CCJ do Senado honraram o acordo construído na tramitação da reforma tributária”, disse o presidente da FNP, Eduardo Paes (PSD), prefeito do Rio de Janeiro.

A CNM não concorda. Defende que haja eleições, e não apenas indicações, para a formação do comitê provisório. “Essa é uma medida inconstitucional adotada para atender a um grupo pequeno de municípios”, diz a entidade em nota.

A confederação também critica um acordo fechado entre Braga e Paes durante a reunião da CCJ. Por ele, o apoio necessário para as chapas da FNP precisará representar 30% da população brasileira, e não mais 40%.

Depois de se dizer incapaz de dizer “não” a Paes, que como ele é integrante do bloco dos eduardos, o relator questionou aos integrantes da comissão se poderia acatar uma emenda verbal. Não só obteve a autorização, como o senador Esperidião Amin (PP-SC) sugeriu que, em vez de “verbal”, ele classificasse a emenda de “auricular”.

Contra esse ponto, a CNM diz que “não se considera admissível em qualquer eleição que o vencedor seja eleito por um percentual de minoria representativa” e defende que o apoio represente no mínimo 50% da população.

Na votação aguardada para hoje, um ponto promete gerar pressão sobre o relator: o critério da repartição de receitas do IBS, que foi alterado no mais recente texto de Braga.

A CNM afirma que as prefeituras terão prejuízo de R$ 40 bilhões. Entre os Estados, fala-se em perda de R$ 30 bilhões. O problema, explica nota da CNM, é que a alíquota do IBS será calculada com base nas receitas médias do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e do Imposto sobre Serviços (ISS) entre 2012 e 2021. Até então, o período a ser considerado era de 2024 a 2026.

“Como a receita do ISS tem crescido acima dos demais impostos e do PIB, a utilização de um período passado como referência para a fixação da alíquota promoverá uma redução da parcela do IBS de competência dos municípios”, diz a nota da CNM.

O mesmo problema foi detectado pelos fiscos estaduais. Passando no Senado, o texto retornará à Câmara para que deputados analisem as alterações feitas pelos senadores. Após essa etapa, o texto será remetido ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a quem cabe sancioná-lo.

Ficarão faltando a lei que regulará o Imposto Seletivo (IS), criado na reforma, e as regulamentações dos fundos de compensação de benefícios fiscais, o de desenvolvimento regional, o de diversificação econômica da Amazônia e o de desenvolvimento da Amazônia Ocidental e Amapá. O primeiro deverá receber um aporte da ordem de R$ 10 bilhões ainda este ano.

Os amazônicos não têm valor pré-definido, o que deverá gerar grande pressão sobre o Tesouro. O próprio funcionamento do Comitê Gestor exigirá uma acomodação que pode não ser trivial.

O novo sistema funde o ICMS, principal tributo dos Estados, com o ISS, principal fonte de arrecadação dos municípios. A gestão compartilhada desse bolo deve trazer desafios. Alguns entes federativos ainda se ressentem de haver perdido a autonomia para fazer política por meio de tributos.

A fusão, porém, foi necessária para simplificar e uniformizar a tributação. É de se esperar que os ganhos com a reforma demonstrem o acerto dessa opção.

https://valor.globo.com/brasil/coluna/tributaria-vai-a-voto-e-novela-continua.ghtml

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