Pouco tempo para se preparar para a reforma tributária

Por Luiz Rezende

A menos de cinco meses para que a Reforma Tributária entre em vigor, as empresas que operam no Brasil se movimentam em busca de maior preparo e adaptação. O cenário que se desenha a partir de 2026 é o de convivência entre dois modelos de tributação, o atual e o novo, o que traz às organizações um desafio crítico de gestão e exige redimensionamento de processos, sistemas e estratégias de compliance, bem como preparação das equipes.

Conforme o Dia 1 se aproxima, o foco começa a passar das minúcias do texto legal para a aplicação na prática. Nesse sentido, líderes têm a oportunidade de compreender a reforma como mais do que uma alteração nas regras tributárias, mas como o ponto de partida para uma renovação profunda de toda a sua gestão fiscal.

Para entender a percepção do empresariado em relação a esse momento, a pesquisa “Tax do Amanhã 2025”, realizada pela Deloitte com apoio institucional da Thomson Reuters, trouxe um raio-x desse contexto. O estudo mostra que as empresas estão, em sua maioria, conscientes da necessidade de preparação, com dois terços dos entrevistados afirmando que já realizaram estudos sobre os impactos da reforma. Entre os que ainda não o fizeram, 65% planejam realizá-los ainda neste ano. Esse movimento revela um amadurecimento da percepção sobre o tema e a busca por preparação.

Há, claro, preocupações nesse caminho. Para dois terços dos entrevistados, a coexistência de dois sistemas de tributação no período de transição, que vai até 2032, é o principal entrave à adaptação. Durante esse período, as empresas brasileiras enfrentarão o desafio de operar sob dois sistemas fiscais paralelos, exigindo a realização simultânea de duas apurações, declarações e obrigações acessórias. Esse cenário intensifica a preocupação com o aumento da carga de trabalho e da burocracia, impactando diretamente a eficiência operacional das organizações.

Ainda, cerca de um terço das empresas está apreensivo quanto a custos imprevistos, perdas de incentivos fiscais, escassez de profissionais qualificados e indefinições sobre a monetização de créditos já existentes.

Nesse contexto, a tecnologia tem papel central. Nove em cada dez empresas ouvidas já implementaram algum nível de automação em suas rotinas tributárias, especialmente em operações de maior volume, como emissão de notas fiscais e apuração de tributos. O uso de inteligência artificial tende a se expandir, no sentido de ampliar a automação e liberar profissionais para tarefas mais analíticas e estratégicas, como o relacionamento com os entes fiscalizadores e a análise de riscos fiscais.

A inteligência artificial produz efeitos expressivos, por exemplo, na redução de horas trabalhadas na área fiscal e tributária, principalmente na apuração de pagamentos. Essa atividade, tradicionalmente complexa e suscetível a erros manuais, é otimizada com o uso de tecnologias que automatizam cálculos, cruzamento de dados e geração de guias, reduzindo o tempo gasto pelas equipes e aumentando a precisão das informações e a conformidade. A inteligência artificial já é utilizada para gerir auditorias fiscais, monitorar e detectar mudanças na legislação, garantir conformidade de fornecedores com leis e regulamentações, detectar fraudes fiscais e otimizar o aproveitamento de créditos.

Equipes também devem estar preparadas e capacitadas para lidar com os desafios das novas exigências. Na pesquisa da Deloitte, a contratação de profissionais qualificados para a área tributária foi apontada como a maior dificuldade enfrentada pelas empresas. Além disso, cresce a necessidade de reter talentos capazes de interpretar mudanças complexas, se adaptar a elas e propor soluções eficazes.

A adequação das estruturas tecnológicas e a qualificação das equipes envolvem investimentos, e muitas empresas estão avaliando modelos a serem adotados. Três em cada dez entrevistadas pela pesquisa afirmaram que planejam terceirizar parcial ou totalmente as operações transacionais de tax. O levantamento mostra que 43% já adotam modelos que contam com o suporte de parceiros, por meio do co-sourcing ou outsourcing. Essa tendência deve se consolidar nos próximos anos, à medida que são publicadas novas normas complementares.

A percepção do impacto da reforma sobre a carga tributária entre as empresas é bastante diversa. Entre aquelas que já realizaram estudos detalhados sobre os efeitos das mudanças, quase metade acredita que haverá aumento na carga, seja pelo repasse desse custo aos preços ou pela redução das margens de lucro. Em sentido oposto, 21% projetam diminuição da carga, enxergando oportunidades de ganhos na margem ou maior competitividade por meio de preços mais acessíveis. Para 16%, os efeitos serão neutros, convergindo com o objetivo original da reforma de simplificar sem elevar os tributos.

Fatores como o setor de atuação, o regime tributário atual em que a empresa se enquadra e a posição na cadeia produtiva influenciam as percepções divergentes em relação ao impacto na carga tributária. Essa variação reflete não apenas as diferenças estruturais, mas os temas não definidos ainda nas regras, como o tratamento dos créditos acumulados e as alíquotas efetivas. Nesse cenário de incertezas, cresce a cautela das empresas, bem como a necessidade de análises técnicas complementares e planejamento estratégico.

As empresas também estão avaliando mudanças em suas operações, uma vez que a reforma extingui benefícios fiscais, historicamente utilizados como fator de atração regional. Um quarto dos entrevistados na pesquisa disse que considera redesenhar sua estrutura, com realocação geográfica, enquanto um terço estuda mudanças na cadeia de suprimentos, ainda que mantenha sua localização atual. Os dados mostram que a reforma tende a influenciar estratégias de logística, o que pode ter impacto no desenvolvimento regional e na dinâmica econômica do país.

Ainda que o debate público muitas vezes se concentre nos marcos da reforma, como o modelo de IVA dual – composto pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) -, a realidade prática que se configura para as empresas é a de uma transformação ampla na gestão tributária, com desdobramentos operacionais, financeiros e estratégicos.

A partir desse entendimento, inicia-se uma fase que exigirá preparo técnico, investimento em tecnologia e revisão estruturada de processos internos – elementos que devem fazer parte do planejamento das organizações que desejam conduzir a transição de forma segura, eficiente e alinhada às melhores práticas de mercado.

https://valor.globo.com/opiniao/coluna/pouco-tempo-para-se-preparar-para-a-reforma-tributaria.ghtml

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