A reforma tributária do consumo, atualmente em fase de implementação, introduz profundas mudanças no sistema tributário brasileiro, com destaque para a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e, entre as inovações mais debatidas está o recolhimento do tributo na liquidação financeira da operação, o chamado split payment.
Este mecanismo, além de representar uma ruptura com práticas tradicionais, coloca o setor financeiro no centro da operacionalização tributária, exigindo adaptações tecnológicas e processuais sem precedentes.
O split payment foi concebido como resposta ao chamado hiato de conformidade tributária, buscando garantir que o recolhimento dos tributos ocorra de forma automática e eficiente, diretamente no momento em que a transação financeira é liquidada.
Diferentemente do que ocorre em outras jurisdições, nas quais o mecanismo é utilizado de forma pontual para combater sonegação em setores específicos, no Brasil ele foi desenhado para ser a regra geral, abrangendo inclusive operações que, em outros países, são tradicionalmente isentas, como crédito, câmbio, seguros e operações com títulos e valores mobiliários.
A amplitude da incidência do IBS e da CBS sobre o setor financeiro é inédita. O desafio é ainda maior considerando a diversidade de arranjos de pagamento, a multiplicidade de alíquotas e a complexidade operacional de um país de dimensões continentais. A implementação do split payment tem exigido integração entre sistemas de prestadores de serviços de pagamento, instituições financeiras, Receita Federal, Comitê Gestor do IBS e entes subnacionais.
Modalidades de split payment previstas na Lei Complementar
A Lei Complementar que regulamenta a reforma prevê duas modalidades principais de split payment:
- Modalidade inteligente: antes de liberar os recursos ao fornecedor, o prestador de serviço de pagamento consulta sistemas do Comitê Gestor do IBS e da Receita Federal para apurar o valor exato do tributo a ser segregado e recolhido. Caso a consulta não seja possível, utiliza-se as informações disponíveis para efetuar o recolhimento.
- Modalidade simplificada: aplicável quando o adquirente não é contribuinte regular do IBS e da CBS. O recolhimento é feito com base em percentual preestabelecido, definido por metodologia uniforme, podendo variar por setor econômico ou contribuinte. O valor recolhido não necessariamente corresponde ao débito real da operação, sendo ajustado posteriormente.
Ambas as modalidades preveem que eventuais valores recolhidos a maior sejam restituídos ao fornecedor em até três dias úteis após a apuração, mas a experiência brasileira com restituições tributárias gera preocupação quanto à efetividade e agilidade desse processo.
Pagamentos parcelados e o momento do recolhimento
A legislação determina que, em operações parceladas, a segregação e o recolhimento do IBS e da CBS devem ocorrer proporcionalmente a cada parcela, no momento da liquidação financeira.
No entanto, permanece dúvida interpretativa sobre a responsabilidade do fornecedor pelo eventual saldo a recolher, considerando o momento do fato gerador e o prazo de vencimento dos tributos. A regulamentação futura precisará esclarecer se a obrigação tributária se consolida integralmente na primeira parcela ou se pode ser proporcionalizada ao longo do pagamento.
Desafios operacionais e críticas ao split payment
A proposta do split payment foi recebida com otimismo por parte das autoridades fiscais, que destacam seu potencial para aumentar a eficiência arrecadatória, reduzir a sonegação e simplificar o cumprimento das obrigações tributárias. Por outro lado, o setor privado manifesta preocupações quanto ao impacto no fluxo de caixa das empresas, à complexidade operacional e ao risco de acúmulo de créditos tributários e processos de restituição.
A operacionalização do split payment exigirá que prestadores de serviços de pagamento e instituições financeiras recebam informações detalhadas sobre as operações, vinculando documentos fiscais eletrônicos às transações financeiras. A integração entre sistemas e a padronização de procedimentos serão fundamentais para evitar gargalos e garantir a efetividade do mecanismo.
Atualizações recentes sobre a implementação
Nos últimos meses, o debate sobre o split payment ganhou novos contornos com a publicação de minutas de regulamentação e a intensificação dos trabalhos dos grupos técnicos responsáveis pela implementação.
Em abril de 2024, o Ministério da Fazenda e a Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária reforçaram o cronograma de implantação, prevendo a adoção do procedimento simplificado a partir de 2026, enquanto o modelo inteligente é desenvolvido e testado para os principais instrumentos de pagamento eletrônico.
Notícias recentes indicam que o Banco Central, embora não seja o regulador direto de todos os arranjos de pagamento envolvidos, tem participado ativamente das discussões para garantir a segurança e a interoperabilidade dos sistemas. O setor de pagamentos eletrônicos, por sua vez, tem alertado para a necessidade de investimentos significativos em tecnologia e para o risco de aumento de custos operacionais, que podem ser repassados aos usuários finais.
Além disso, entidades representativas do setor empresarial têm buscado diálogo com o Congresso Nacional e o Executivo para discutir ajustes na regulamentação, especialmente quanto à definição de prazos, procedimentos de restituição e mecanismos de compensação de créditos.
A preocupação central é evitar que o split payment se transforme em um fator de estrangulamento financeiro para empresas, especialmente aquelas com margens reduzidas ou que operam com grande volume de transações parceladas.
A adoção do split payment no Brasil representa uma aposta ousada na modernização e na eficiência do sistema tributário, mas traz consigo desafios técnicos, jurídicos e operacionais de grande magnitude. O setor financeiro, protagonista na viabilização do mecanismo, terá papel decisivo na transição para o novo modelo, sendo fundamental que a regulamentação seja clara, equilibrada e sensível às especificidades das operações financeiras e dos diferentes arranjos de pagamento.
O sucesso do split payment dependerá da capacidade de harmonizar interesses de arrecadação com a necessidade de preservar a liquidez e a competitividade das empresas. A experiência internacional sugere cautela, especialmente quanto à adoção de mecanismos de restituição ágeis e à mitigação de impactos negativos sobre o fluxo de caixa dos contribuintes.
A reforma tributária do consumo, ao propor a tributação com participação ampla do setor financeiro e a implementação do split payment, inaugura uma nova era na relação entre fisco, empresas e setor financeiro. O caminho à frente exigirá diálogo, inovação tecnológica e ajustes regulatórios constantes para que os objetivos de simplificação, eficiência e justiça fiscal sejam efetivamente alcançados.
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