Fringe benefits na mira da reforma tributária: adeus ao almoço grátis?

por Chede Domingos Suaiden, Jorge Matsumoto, Francisco Carlos Rosas Giardina

reforma tributária brasileira  – consubstanciada na Emenda Constitucional 132/2023 e na Lei Complementar 214/2025 – promete transformar profundamente a tributação sobre o consumo.

Entre os pontos sensíveis afetados por essa mudança estão os fringe benefits: benefícios indiretos oferecidos pelas empresas aos trabalhadores além do salário, como planos de saúde, vales, bolsas educacionais, carros corporativos, moradia, celulares corporativos, notebooks e outros bens que podem habitar uma zona cinzenta entre o uso pessoal e o profissional. Neste artigo, refletimos sobre como essa reforma pode afetar esses “mimos” corporativos.

Esses benefícios são largamente utilizados para atrair e reter talentos, reduzir a rotatividade e motivar equipes. Diferentemente dos direitos trabalhistas obrigatórios, os fringe benefits resultam de liberalidade da empresa e variam conforme suas políticas internas, podendo assumir natureza salarial ou indenizatória.

Em regra, vantagens concedidas de forma habitual e como contraprestação configuram salário; em situações específicas, contudo, podem ser tratadas como verba não salarial. Essa distinção determina se integrarão a remuneração – influenciando encargos trabalhistas e previdenciários – e abre margem para questionamentos sobre eventual disfarce de remuneração.

Até então, muitos fringe benefits eram utilizados como estratégia de otimização tributária. Alguns não sofrem encargos trabalhistas e previdenciários, como vale-alimentação e vale-transporte, trazendo vantagens fiscais legítimas para empresas.

A EC 132/2023 inaugurou um modelo de IVA dual, com o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) de competência estadual‑municipal e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) federal, substituindo ISS, ICMS, PIS, Cofins e IPI. Embora esses novos tributos assegurem crédito amplo sobre bens e serviços adquiridos, há exceção crucial: despesas de “uso ou consumo pessoal” não geram crédito.

A LC 214/2025 enquadrou alguns fringe benefits como consumo final do indivíduo, negando às empresas o direito ao crédito sobre tais gastos, como, por exemplo, imóveis residenciais e veículos corporativos para uso particular. Na prática, isso eleva consideravelmente o custo efetivo desses benefícios.

Além disso, a lei veda o crédito quando bens ou serviços são oferecidos gratuitamente ou abaixo do valor de mercado a sócios, administradores ou empregados. A restrição, contudo, não se aplica a benefícios coletivos – planos de saúde, vale‑transporte, vale‑refeição, vale‑alimentação e bolsas educacionais – concedidos universalmente e previstos em acordo ou convenção coletiva.

O grande ponto polêmico reside justamente na fronteira entre o que seria instrumento de trabalho e aquilo que é um benefício pessoal. Um celular ou notebook fornecido pela empresa é um instrumento essencial para muitos trabalhadores, porém, ao permitir também uso pessoal, poderia ser visto pelo fisco como consumo individual tributável, gerando disputas administrativas e judiciais inevitáveis.

Por outro lado, como mencionado, reconhecendo o impacto social dessa mudança, o legislador criou exceções mediante acordos ou convenções coletivas. Os créditos referentes a benefícios tradicionais como planos de saúde, vale-transporte, vale-refeição e auxílio-educação permanecem válidos se formalizados em negociação coletiva e oferecidos universalmente, permitindo diferenciação apenas em favor de empregados com menor renda ou núcleo familiar maior. Benefícios fornecidos no local de trabalho durante a jornada, como alimentação e creche, também escapam das restrições de apropriação de crédito.

Nesse sentido, é relevante destacar o entendimento firmado pelo STF no Tema 1046, que reforça a prevalência das normas coletivas sobre a legislação infraconstitucional, desde que não contrariem a Constituição Federal. Assim, questiona-se: caso uma convenção ou acordo coletivo expressamente estabeleça que determinado benefício não constitui uso pessoal, estaria o fisco obrigado a respeitar essa classificação?

Certamente, essa é uma questão que dará margem a discussões administrativas e judiciais intensas e poderá ampliar o alcance das negociações coletivas como ferramenta estratégica diante da reforma tributária.

Todavia, tais exceções trazem consigo um ônus operacional significativo: empresas terão que formalizar diversos benefícios via instrumentos coletivos, enfrentando burocracias e negociações sindicais complexas. Quem não cumprir as exigências estará sujeito a questionamentos futuros pelas autoridades fiscais.

Essas mudanças levam a consequências práticas relevantes: muitas empresas irão revisar ou reduzir pacotes de benefícios, já que o custo tributário pode se tornar proibitivo. Por outro lado, pode crescer o incentivo à pejotização, já que contratos com pessoas jurídicas oferecem crédito tributário, diferente dos vínculos empregatícios tradicionais.

Nota-se que as novidades da LC 214/2025 tendem a ampliar o contencioso tributário, considerando que despesas como veículos concedidos aos empregados podem ser qualificados pelo fisco como “uso ou consumo pessoal”, sem direito ao crédito de IBS/CBS.

Caberá aos departamentos fiscal e de compliance documentar criteriosamente a destinação empresarial de cada benefício — demonstrando, por exemplo, a preponderância do uso corporativo — a fim de reduzir o risco de autuação e de litígios administrativos ou judiciais sobre a apropriação de créditos.

A reforma tributária ergueu um novo divisor de águas: o velho “almoço grátis” corporativo ficou mais caro, e a sobrevivência dos fringe benefits dependerá de estratégia fiscal cirúrgica e blindagem documental impecável.

Empresas que ignorarem o novo conceito de “uso ou consumo pessoal” correm o risco de ver seus créditos de IBS/CBS evaporarem em autuações milionárias, enquanto aquelas que souberem converter benefícios em verdadeiros instrumentos de trabalho ‑‑ lastreados por convenções coletivas robustas e critérios objetivos de concessão ‑‑ transformarão o aumento de carga tributária em vantagem competitiva.

A hora de agir é agora: quem não reconfigurar o pacote de benefícios à luz da LC 214/2025 pode descobrir, em breve, que o almoço não só deixou de ser grátis, como pode custar muito mais do que o cardápio previa.

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