Reforma tributária: pontos pendentes

Por Maurício Barros

Restam menos de seis meses para que a jornada de transição da reforma tributária do consumo se inicie de forma mais concreta, com a implantação, a partir de 1º de janeiro de 2026, das alíquotas “testes” de IBS (0,1%) e de CBS (0,9%).

Esse início demandará novos desafios por parte de Fiscos e contribuintes, diante da grande disrupção que a Emenda Constitucional 132/2023 acarretou na tributação do consumo, com a adoção de um modelo de IVA extremamente distinto dos atuais (e ineficientes) tributos indiretos (ICMS, ISS, PIS/Cofins) e a instituição de um Excise Tax (o Imposto Seletivo – IS) que terá parâmetros bastante distintos do IPI (que seguirá apenas como instrumento de manutenção da competitividade da Zona Franca de Manaus).

Embora 2026 seja o ano de início de implantação dos novos tributos, a entrada completa do novo sistema somente ocorrerá em 2033. Até lá, uma longa (mas necessária) transição prevê: (i) a substituição do PIS/Cofins pela CBS em 2027; (ii) a instituição e cobrança do IS no mesmo ano; (iii) a redução em 10% ao ano de ICMS e ISS entre 2029 e 2032; e (iv) a instituição gradual do IBS no mesmo período. Em 2027 e 2028, a alíquota teste de 0,1% de IBS continuará em vigência.

Mas, afinal, o cenário já está pronto para que Fiscos e contribuintes possam implementar todas as mudanças? Para responder a essa pergunta, algumas reflexões devem ser endereçadas.

Sob o ponto de vista da CBS, tributo federal que será cobrado integralmente a partir de 2027, a Receita Federal já iniciou o processo de sua regulamentação, com a participação ativa de entidades representantes de contribuintes, que tiveram até o início de junho para enviar sugestões de textos para o vindouro regulamento. Ainda não se tem notícias quanto à quantidade de sugestões apresentadas ou se haverá alguma consulta pública ao texto consolidado, mas a participação da sociedade em sua elaboração é bastante salutar.

Também é bastante salutar o Projeto Piloto da CBS, instituído no início de junho com os objetivos de (i) possibilitar a realização de testes, a validação e o aprimoramento relativos às soluções tecnológicas necessárias à introdução da CBS e (ii) estimular a adoção de medidas para adequação dos contribuintes para a implementação do novo tributo.

O Projeto contará com a participação de até 500 empresas (até o momento, 50 já aderiram) e será fundamental para que fisco e contribuintes aperfeiçoem o modelo estrutural de apuração. Do bom funcionamento da estrutura de apuração da CBS depende a própria viabilização do split payment inteligente, de modo que a retenção do tributo pelos prestadores de serviços de pagamento considere corretamente, por exemplo, os créditos escriturais do contribuinte a ser retido (o que evitaria excessos nas retenções).

Embora uma quantidade limitada de empresas tenha acesso ao Projeto Piloto da CBS, todos os contribuintes de IBS e CBS deverão se adaptar a algumas regras já existentes até o início de 2026. Isso porque já foram divulgadas as adequações nos documentos fiscais eletrônicos para viabilizar a operacionalização do IBS e da CBS, tais como a Tabela de Código de Classificação Tributária e a Tabela de Códigos de Situação Tributária, além da inclusão de campos específicos para registrar algumas informações relevantes, tais como bases de cálculo, alíquotas, valores devidos etc.

Também foram criados eventos fiscais próprios para créditos presumidos, sucessão empresarial, perecimento de mercadoria e operações especiais, como ZFM. Essas adaptações serão obrigatórias a partir de 1º de janeiro de 2026, o que faz com que as empresas devam adaptar seus sistemas para a inclusão dos novos campos e informações até essa data, sob pena de terem a validação de seus documentos fiscais rejeitada.

Por outro lado, ainda que diversos avanços sejam observados no tocante à CBS e ao leiaute dos documentos fiscais, fato é que ainda existem impasses para a regulamentação do IBS e pontos bastante sensíveis no tocante à reforma em termos gerais.

Primeiramente, ainda pende de aprovação o PLP 108, que, entre outros tópicos, trata da criação e funcionamento do Comitê Gestor do IBS e do contencioso administrativo. Embora todos os pontos do PLP sejam altamente relevantes, talvez o mais sensível seja o referente ao Comitê Gestor, órgão que será responsável pela regulamentação, fiscalização e arrecadação do IBS e que ainda não conta com um estatuto legal que o regule.

Além disso, a representação do CG-IBS ainda não está totalmente definida, considerando que apenas os 27 membros dos estados, até o momento, compõem o Conselho Superior do CG-IBS. A ausência dos municípios, que também devem indicar 27 representantes, se deve a uma divergência entre duas entidades quanto ao processo de eleição desses membros (há uma liminar concedida pelo STF que suspende essa eleição).

Sem a composição completa, qualquer ato do CG-IBS – inclusive a deliberação da regulamentação do novo imposto – poderia ser questionado judicialmente, o que acarretaria um risco grande de instabilidade do novo sistema.

Outros pontos que merecem maior atenção, como a uniformização de entendimentos administrativos sobre IBS e CBS, que deveriam ter interpretações idênticas (já que sujeitos às mesmas regras na LC 214/25 em quase todos os aspectos), ainda merecem melhor endereçamento. A uniformização da jurisprudência, tanto administrativa quanto judicial, também é crucial para o bom funcionamento de nosso IVA (o PLP apenas trata do contencioso do IBS, o que é insuficiente para alcançar a uniformização desejada).

Esse quadro aponta certa incerteza quanto à regulamentação tempestiva do IBS, considerando a sua instituição, ainda que em caráter de testes, já no início de 2026, bem como deixa dúvidas quanto aos rumos da almejada uniformização do IVA-Dual brasileiro.

https://valor.globo.com/legislacao/coluna/reforma-tributaria-pontos-pendentes.ghtml

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *