Por Jéssica Sant’Ana e Beatriz Olivon
A medida provisória (MP) aguardada para esta semana com as medidas alternativas ao decreto que aumentou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) também deve trazer uma alteração nas compensações tributárias — créditos fiscais que as empresas têm direito para abater tributos devidos.
A alteração que será proposta pelo governo vai afetar empresas que fazem compensações consideradas indevidas pelo Fisco, apurou o Valor. A medida deve trazer no texto hipóteses em que a compensação não será aceita: quando for apresentado Documento de Arrecadação de Receitas Federais (Darf) inexistente e quando a empresa fizer compensação de atividade econômica de um setor diverso ao seu de origem. Por exemplo, se uma indústria automotiva tentar compensar créditos de alimentos.
Essas formas de compensação indevida deverão estar previstas na MP e, consequentemente, serão estabelecidas em lei, caso o texto seja aprovado pelo Congresso Nacional. É uma forma de garantir que o Fisco consiga indeferir os pedidos de compensação sem gerar litígio.
“Proposta indica um movimento mais duro da Receita Federal para controlar o uso de créditos fiscais”, diz Alessandra Brandão.
Não há previsão de a MP estabelecer multa, e sim apenas essa garantia legal para que os auditores fiscais possam considerar que a compensação não foi realizada e, assim, os tributos sejam cobrados integralmente, segundo fonte.
No caso do Darf inexistente, os auditores já não deveriam aceitar a compensação nesses casos, mas se considera que falta uma previsão expressa em lei, o que gera litígio e inconsistências na prática. Com a previsão, a expectativa é que o auditor possa conferir no sistema e, com a inexistência do Darf, o pedido de compensação já seja negado.
Essas mudanças têm potencial de ajudar a aumentar a arrecadação federal, porque vão fechar brechas para compensações indevidas, obrigando que as empresas paguem os tributos devidos. Os números ainda estavam sendo fechados pelo governo.
Isabella Tralli, sócia do VBD Advogados, avalia que a mudança faz sentido do ponto de vista fiscal e tem potencial de ajudar a aumentar a arrecadação federal. “A medida claramente visa coibir fraudes e planejamentos abusivos, uma vez que a utilização de créditos inexistentes decorrentes de Darfs fictícios e compensações feitas com créditos decorrentes de atividades fora de seu setor de origem passaria a constar no rol do art. 74 da Lei nº 9.430/1996, que lista expressamente as situações em que as declarações de compensação são consideradas não declaradas”, explica a advogada.
Ela diz que há preocupações legítimas das empresas, como a necessidade de definição do que será considerado “setor diverso” ou “atividade fora do setor de origem”. “Se não houver critérios claros, pode haver autuações e glosas de créditos de forma indevida e insegurança jurídica. Isso porque poderá ser exigida do sujeito passivo, mediante lançamento de ofício, multa isolada sobre o valor total do débito cuja compensação seja considerada não declarada, nos percentuais de 75% ou 150%, se comprovada a falsidade da declaração apresentada pelo sujeito passivo”, explica a especialista.
Alessandra Brandão, advogada e sócia da área tributária do escritório Marcelo Tostes Advogado, avalia que a proposta do governo indica um “movimento mais duro” da Receita para controlar o uso de créditos fiscais, especialmente os decorrentes de decisões judiciais e de cessões de crédito entre empresas de setores diferentes.
A Receita tem mecanismos para verificar se houve ou não o pagamento do tributo que originaria o crédito, portanto, para a advogada, essa parte da medida provisória parece mais uma tentativa de reforçar controles e ampliar a margem legal para impedir compensações já indeferidas.
O ponto mais sensível, segundo Brandão, são as restrições à compensação de créditos adquiridos de terceiros ou de setores distintos, o que afeta diretamente operações comuns em segmentos como o automotivo, que compram créditos com deságio, e também créditos reconhecidos judicialmente. Se confirmada, essa medida pode reduzir o valor econômico desses créditos e gerar insegurança jurídica, inclusive com potencial aumento de judicialização, avalia a advogada.
“É preciso aguardar a redação final da MP para avaliar com precisão seu alcance, mas o sinal que se emite é de restrição, especialmente ao uso de créditos adquiridos ou decorrentes de decisões judiciais”, afirmou.
A expectativa é que a MP seja publicada ainda nesta semana.
Já para Fabiola Keramidas, sócia do escritório Keramidas Advocacia, o que a Receita chama de “aperfeiçoamento de regras de compensação” nada mais é do que alterar procedimentos para restringir o direito dos contribuintes à compensação tributária. “Sob a alegação de estar evitando abusos, o Estado adentra o direito do contribuinte”, diz.
A advogada afirma que a última vez que o governo fez isso foi com a Lei 14.873, de 2024, que impôs limites mensais e prazos mínimos para o uso de créditos fiscais reconhecidos judicialmente. “Na prática, essas novas exigências forçam o contribuinte a desembolsar tributos, criando um efeito caixa favorável ao governo”, diz Keramidas.
Além de prever mudanças na compensação de créditos, a MP vai elevar a taxação sobre empresas de apostas esportivas (bets), sobre fintechs e sobre aplicações financeiras. A arrecadação vai substituir a esperada com o aumento do IOF.