Como gerir as finanças municipais hoje enquanto se prepara para a maior reforma tributária das últimas décadas? Esse é o dilema central enfrentado pelos secretários de Finanças ao completarem, nesta semana, os primeiros 100 dias de gestão. Além de assegurar o equilíbrio fiscal imediato, eles são desafiados a se adaptar a um cenário de profundas mudanças estruturais nos sistemas de arrecadação e nos instrumentos de desenvolvimento econômico local.
A reforma em curso transformará substancialmente a distribuição de recursos entre os entes federativos. Três mudanças se destacam pelo impacto potencial: a migração gradual da tributação da origem para o destino; a prevalência do componente populacional sobre o Valor Adicionado Fiscal (VAF) no cálculo do Índice de Participação dos Municípios (IPM); e a perda de eficácia dos incentivos fiscais locais com a uniformização nacional das alíquotas.
Estudos do Ipea apontam que o Espírito Santo será um dos estados mais afetados, com repercussões distintas entre seus municípios. O fundo compensatório prometido pelo governo federal, embora positivo, não elimina as incertezas que pairam sobre o horizonte fiscal.
Diante dessa nova realidade, os gestores municipais precisam redesenhar suas estratégias. Um estudo do Tesouro Estadual do Espírito Santo indica que, para manter o nível de receitas no cenário pós-reforma, os municípios deverão impulsionar o crescimento econômico local em taxas reais anuais de 2% a 3%. Isso exigirá a construção de ambientes favoráveis aos negócios, sustentados não mais em benefícios tributários — que perderão efetividade com a padronização nacional das alíquotas —, mas em fatores estruturais como infraestrutura de qualidade, capital humano qualificado e governança eficiente.
Aracruz é um exemplo dessa abordagem, com avanços notáveis no programa Cidade Empreendedora por meio de políticas voltadas ao fortalecimento da economia local.
Paralelamente ao fomento econômico, a modernização tributária surge como caminho complementar. A experiência de Chapecó (SC) mostra como o georreferenciamento pode revelar inconsistências cadastrais — no caso, 28 mil imóveis com alterações não registradas —, ampliando a base de arrecadação sem aumento de alíquotas. Em São Paulo, instrumentos inovadores permitem que construtoras negociem direitos adicionais de edificação entre si, com previsão de R$ 3 bilhões em receitas. No Pará, a captação de quase R$ 1 bilhão via créditos de carbono abre novas possibilidades financeiras. Mesmo cidades menores podem adaptar essas inovações à sua realidade e escala.
O equilíbrio fiscal duradouro, no entanto, não depende apenas do aumento das receitas. Na gestão dos gastos, não há soluções universais: cada município possui suas próprias especificidades. O princípio de Pareto oferece uma referência útil ao destacar que uma pequena parcela dos contratos (20%) costuma responder por grande parte das despesas (80%).
Os gastos com pessoal estão sob controle em 74 municípios capixabas (abaixo do limite prudencial de 48,6% da receita corrente líquida), mas seguem como item relevante na estrutura orçamentária. Há diversas práticas de qualificação do gasto público já adotadas pelo Tesouro Estadual e por prefeituras do Espírito Santo que poderiam ser ampliadas. A criação de um comitê de secretários municipais de Finanças poderia impulsionar o compartilhamento dessas boas práticas e fortalecer a preparação coletiva para o novo cenário tributário.
O desafio é inédito: conciliar as urgências do presente com uma transformação profunda no sistema tributário, cuja alíquota-teste já está prevista para 2026. Enquanto alguns municípios adotam uma postura passiva, outros já se reposicionam para prosperar no novo contexto. Os gestores que se anteciparem estarão mais bem preparados para garantir, em breve, a continuidade e a qualidade dos serviços públicos. Esse é o verdadeiro desafio: transformar um momento de incerteza federativa em uma oportunidade para construir um novo pacto fiscal — mais eficiente, mais justo e mais resiliente.